Aconteceu
durante as manifestações estudantis em 1977, em Porto Alegre. Os
estudantes planejaram ocupar a Praça Raul Pilla, para protestar contra a
ditadura, e tomaram a Avenida João Pessoa. A Polícia de Choque fechou a rua, impediu
o avanço da passeata e, de repente, avançou contra os estudantes. A gurizada
correu para dentro do campus universitário. Alguns entraram pelo portão da
Faculdade de Economia e outros pelo portão da Faculdade de Direito. Uma colega
escorregou no chão molhado do pátio do Direito, caiu, bateu com o rosto e
lascou um dente.
Houve estudantes que levaram cacetadas, mas não
recordo se alguém foi preso. Só lembro da minha colega que se estatelou no chão
sem que nenhum policial a tivesse derrubado. Lembro por causa do dente quebrado
e da trabalheira que ela teve para consertar a boca. A trabalheira e o
preço do serviço. Trabalho odontológico nunca foi barato.
O reitor da UFRGS negociara com o comando da Brigada
Militar que a polícia não entraria no campus e avisou às lideranças estudantis.
“Dentro do campus a integridade física de vocês está garantida”, ele falou, “lá fora, na rua, não posso assegurar coisa alguma”. Por isso os estudantes
correram para dentro da Universidade. A gurizada atravessou os portões e ficou
do outro lado das grandes, gritando “Abaixo a repressão” e outras palavras de
ordem da época. Na calçada, encarando os estudantes, ficaram os policiais com capacetes,
máscaras contra gás, escudos e cacetetes.
Eu não estava naquela manifestação política e soube do
caso da minha colega dias depois, no bar do IFCH (Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas), tomando um cafezinho. Naquela época, eu tivera a minha
primeira inflamação na íris – um caso que iria se repetir ao longo dos anos, até
hoje – e o oftalmologista dissera para ficar de resguardo. “Protege teu olho”,
ele falou, “a gente nunca sabe o que pode acontecer”.
Mas não foi por causa da indicação do oftalmologista
que deixei de ir à manifestação. Achei que ela não iria acontecer, isto sim. Ao
longo daquele ano houvera diversas tentativas de colocar “o movimento na rua” e
todas fracassaram. Naquele dia, porém, deu certo.
Levei um susto quando soube o que ocorrera com minha
colega e imaginei o que teria acontecido se eu tivesse levado um tombo e batido
com a cabeça... Arrepiei. Teria afetado os olhos? Contribuído para
alguma sequela na visão ou coisa assim? Não sei.
Ônus desse tipo – sequelas físicas e emocionais – fazem parte do jogo político, aprendi com o tempo. E aprendi
também que a vida é muito frágil. Um deslize no momento errado... e dançamos.
Um deslize que pode acontecer numa manifestação política, no trânsito das ruas
e estradas ou numa boate construída e fiscalizada de modos inadequados.
Obs.:
A manifestação estudantil a que me referi ocorreu no dia 23 de agosto de 1977,
no centro de Porto Alegre. “Foi a primeira vez que o movimento estudantil
assumiu em todo o pais o Abaixo a
Ditadura”, afirmou uma liderança da época, Bete Portugal. O jornal Zero Hora publicou boas fotos a respeito
e algumas delas foram reproduzidas no livro de Ivanir Bortot & Rafael
Guimarães, Abaixo a repressão:
movimento estudantil e as liberdades democráticas (Porto Alegre: Libretos,
2008).
foi a visita do Videla, não foi?
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