terça-feira, 17 de janeiro de 2012

No fundo do quintal

O vô Octaviano martelava no fundo do quintal, num pequeno galpão que havia ao lado do galinheiro. Tão pequeno que cabia apenas uma pessoa. Eu ficava do lado de fora, sentado no chão, e assistia ele trabalhar e contar suas histórias:
– Quando os portugueses chegaram ao Brasil, não havia viva alma, apenas índios. Os índios eram selvagens e até carne humana comiam.
Nem preciso comentar que os índios não eram humanos – não eram cristãos, ora pois –, que o território brasileiro era pura selva e que aquilo me fascinava.
– Cabral olhou, deu fé da qualidade da terra, e seguiu a viagem para as Índias. Mas antes deixou dois degradados para desbravarem a selva.
Meu avô materno era filho de imigrante português e tinha uma grande admiração pelo mundo luso: a grande aventura expansionista, ultramarina e colonial. O bisavô viera da Ilha da Madeira e trabalhara durante anos no transporte de charque, na segunda metade do século XIX.
Pelotas não tinha porto quando o bisavô chegara e os navios ancoravam na Lagoa dos Patos e não entravam no Canal São Gonçalo, onde estavam as charqueadas pelotenses. Então os lanchões eram carregados nas margens do canal e levavam a mercadoria aos navios. Segundo relato familiar, o bisavô fora proprietário de uma e outra dessas lanchas e, quando cansou de trabalhar nisso, aplicou o dinheiro num armazém de esquina, chamado Asa Branca.
Meu avô se criou zanzando por esse armazém e às vezes misturando o produto dos sacos de milho com os de feijão – o que lhe valeu algumas surras, ele contava.
Aos olhos do menino que eu era, o vô descendia daqueles grandes navegadores lusitanos.
– Gente muito corajosa – ele explicava –, que navegavam, descobriam mundos e fundavam cidades por todo canto, como Macau, na China; São Vicente, em São Paulo; e até Pelotas no Rio Grande do Sul...
Pra dizer a verdade, o vô não colocava Pelotas no rol das povoações portuguesas. Isto era coisa do menino que eu era. O vô martelava no fundo do quintal, consertava os brinquedos do neto, e quem sabe calafetasse uma ou outra caravela, dessas que ainda povoam a imaginação dos descendentes de portugueses...

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