domingo, 23 de março de 2025

Pescar na beira do Canal São Gonçalo

 

No início da década de 1960, como a maioria da gurizada que morava na Zona do Porto, em Pelotas, pesquei nas margens do Canal São Gonçalo (que a gente chamava de rio, mas que nunca passou de um canal natural de ligação entre as lagoas dos Patos e Mirim). Um canal que diziam ser de pouca fundura e de correntezas fortes.

A pouca fundura explicava a impossibilidade de grandes navios chegarem ao porto. As correntezas, a necessidade dos pescadores utilizarem chumbadas pesadas para as águas não levarem suas linhas.

Relembro essas informações e escuto os mais velhos falando: as águas do canal, a importância disso para a história da cidade (desde o tempo das charqueadas), a construção do porto, as pescarias e as travessias a nado de um lado a outro do rio.

Meu pai, quando jovem, era desses que atravessavam o canal. Um feito grandioso que eu, menino, achava o máximo e nem imaginava imitar. Nós frequentávamos o Clube de Regatas que havia nas margens do canal, e o assistia mergulhar da plataforma de trampolim. Ele andava por volta dos 40 anos e ainda era capaz dessas áfricas.

Também o admirava preparando a linha de pesca para jogá-la no canal. O exame atento em relação ao peso das chumbadas, a colocação das iscas e depois a ginástica de rodopiar a linha com a mão direita, ao lado do corpo, dar força a ela e lançá-la ao fundo das águas. Uma ginástica olímpica, aos olhos do menino que eu era. Artes de um atleta grego em algum campo de provas da Grécia Antiga.

Lembranças das minhas perplexidades de menino na beira do Canal São Gonçalo. Coisas de guri e de sua relação com o rio e o pai. As águas caudalosas e piscosas do rio, a grandeza e os feitos heroicos do pai (não deixo por menos).

No final da década de 1970 ele veio a se suicidar e hoje, quase cinquenta anos depois, ainda sou capaz de reviver a mesma surpresa e dor que sua morte causou. Como um corpo com tamanha vitalidade no trampolim do Clube de Regatas e nas pescarias na beira do rio pode colocar um fim na sua vida de modo tão abrupto e descabido?!

Como a maioria dos guris que moravam na Zona do Porto, em Pelotas, pesquei nas margens do Canal São Gonçalo. Gurizada de infância simples, filho de um bancário e uma professora primária, com dois irmãos (um mais velho, outro menor), porém com um tesouro guardado na memória: meu pai girando a linha com a mão direita e depois a lançando no ar. Graças a chumbada, ela voava, caia no rio e, logo depois, era capaz de ter um dos seus anzóis mordido por um bagre.

Local das pescarias de infância. Foto de 2023.


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