Quando estava na terceira série ginasial, botei na cabeça que iria ser escritor. O professor de Língua Portuguesa sugeriu a prática do diário como exercício da escrita e segui o conselho. Décadas depois, peguei o material e o utilizei como matéria-prima para uma novela juvenil, que intitulei “Jorge encontra Lilian”.
Jorge, o narrador adolescente, se interessa por uma
guria chamada Lilian e vive o despertar em relação ao sexo oposto. Não rola muita
coisa entre os dois, eles dançam, mal se tocam, mas acontece de tudo dentro do
rapaz e ele registra essa transformação no seu diário. Um texto intimista.
No final dos anos 90 eu publicara dois paradidático
pela Editora FTD (“O mundo grego”, 1996, e “Quando os holandeses invadiram o
Brasil”, 1998) e aproveitei para apresentar a minha ficção. A responsável pela literatura
juvenil me chamou, disse que o texto era bom, mas não vendia. O mercado
editorial mudara e o leitor juvenil queria temas mais fortes, como violência
urbana, consumo de drogas, gravidez indesejada, Aids e assim por diante. Lembro
que voltei de São Paulo (de ônibus) lendo livros juvenis com esse tipo de
pegada.
Apresentei o texto para o Walmor Santos, meu antigo
colega de oficina literária na PUC/RS, e ele também não topou. Walmor vinha
fazendo sucesso com a sua editora, a WS, vendendo bem literatura juvenil nas
escolas do Rio Grande do Sul, e sabia das coisas. Tivemos uma conversa
telefônica memorável e ele me disse que faltava tempero. O personagem precisava
beijar a menina, talvez transar, ao menos tentar, e fez um monte de sugestões
para apimentar o texto. Mas não acatei. Eu queria a minha novela daquele jeito
antigo, intimista, e parti para a edição independente.
Organizei o livro com ajuda dos amigos e mandei
imprimir mil exemplares na Gráfica Pallotti, em Santa Maria. Fui à luta. Tive o
apoio de professores de Ensino Fundamental em relação à novela (em especial do
Colégio Nossa Senhora de Fátima, em Santa Maria) e consegui vender por volta de
800 exemplares. O restante distribuí gratuitamente. Hoje só tenho dois exemplares.
Um sucesso, considerando o fato de ser um livro independente.
"Jorge encontra Lilian", edição independente, 1998. Capa: Renato Valderramas. |
Não era o meu batismo de fogo, mas a impressão que ficou
é a de ter sido a minha maior peleia literária. Como o livro era adotado nas
turmas de sétima e oitava séries, muitas vezes fui às escolas conversar com os
alunos. Uma leitora reclamou que “não rolava nem um beijinho entre os
personagens” e eu achei essa a melhor síntese da novela. “Sim”, eu disse, “o
encontro se dá sem que ocorra muito contato físico.”
Eu tinha treze/catorze anos quando escrevi aquele
diário que serviu de base para a novela e não sabia o que era beijar. Ao
reescrever, nos anos 1990, me deparei com a paixão platônico que vivera
(conheci a menina numa quermesse de colégio, nunca falei com ela) e fiz o
personagem ir além, isto é, conversar e dançar com a guria. Depois ligar para
ela e convidá-la a um cinema. Ter a ousadia que não tive. E terminei por aí a
minha ficção. Um livrinho muito bem-comportado. Uma novela juvenil onde não
rola um beijinho.
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