quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Viagem de ônibus

 

Uma viagem de ônibus entre Santa Maria e Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, revela um Brasil que é pouco conhecido por sujeitos de classe média como eu, que vivem em cidades de porte médio para cima e circulam em espaços de boa e ótima infraestrutura. Já fiz esse mesmo percurso de automóvel e garanto que a experiência é diferente.

Os carros da Planalto (a empresa que controla o trajeto) são confortáveis e, nesse quesito, o passageiro habituado a viajar de ônibus (ao menos no Rio Grande do Sul) não tem do que se queixar. O ônibus faz paradas nas rodoviárias de São Sepé, Caçapava, Santana da Boa Vista, Canguçu e só isso já possibilita o vislumbre de outro mundo.

Às vezes o ônibus para na estrada também e as pessoas que entram são inusitados, isto é, se o vivente acha inusitado um homem velho, de aparência rude, vestindo bombacha e sem pressa nenhuma de pagar a passagem. Homem calejado na lida no campo, com jeito de quem continua na ativa e que bem poderia me olhar e perguntar: “Mas da onde saiu esse bacana?”

 As rodoviárias dessas cidades são um mundo à parte e causa espanto as instalações precárias dos banheiros e o estilo das lancherias (com as prateleiras com produtos mal arranjados e os alimentos expostos em vitrines de vidro nos balcões), diferente do que encontramos em Santa Maria e Porto Alegre.

Em Santana da Boa Vista há uma parada de 10 minutos para lanche (nas outras rodoviárias são apenas para descer e subir passageiros) e comi um pastel com água mineral, pois não tinha refrigerante diet. Dei uma mordida no pastel, era delicioso e disse isso para a senhora que me atendeu. Ela abriu um sorriso largo e me explicou o tempero.

Rodoviária de Santana da Boa Vista. Foto do sítio da rodoviária.

Segui comendo de pé, olhando um cachorro dormindo no chão, um motorista de uniforme enchendo a sua xícara de café preto com demasiada quantidade de açúcar e uma senhora raspando lentamente o fundo da sua xícara de café com leite. Gente sem preocupação com a glicose, imaginei – que talvez não se preocupe também com o sal (como certa vez constatei num almoço bem temperado num restaurante de estrada em Novo Cabrais).

Quando eu terminava o pastel, o cachorro se levantou e saímos juntos da lancheria da rodoviária. Fiquei pela plataforma de embarque olhando o povo, a igreja (de fronte à praça) e vi chegar um homem com um celular, procurando uma loja de consertos e explicando que o “aparelho não toca, não fala coisa nenhuma”.

Pequeno quadro de um Brasil que os bacanas de classe média como eu não estão mais habituados. Cenas de um “Brasil profundo”, tenho vontade de dizer, mas é exagero. Apenas cenas que estão distantes do universo social dessa classe a que pertenço.

Afinal, o que eu sei do mundo onde circula a maioria da população, do Brasil que fica além do meu bairro e que também é pouco representado nos livros e filmes que eu leio e assisto? Pouco, muito pouco.

Escuto um passageiro comentar com o motorista a respeito de um sapateiro de Caçapava que faz botas muito boas e conversa prossegue dissecando as qualidades da botas de campo e de baile que a sapataria apronta. Calçados sob medida, trabalho artesanal, muito distante do mundo industrializado por onde circulo.

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