sábado, 23 de novembro de 2019

O Palácio de Versalhes e o Petit Trianon


Visitei o Palácio de Versalhes, nos arredores de Paris, no mês passado, e o passeio ainda não me saiu da cabeça. Fiquei mais de duas horas na fila, debaixo da chuva fina, e talvez isso tenha colaborado. Que expectativa! Me senti personagem de filme, naquelas cenas onde a plebe ignara se comprime diante das grades do Palácio Real e olha (furiosa, indignada e cheia de inveja) a riqueza e o luxo dos poderosos.

Quando entrei no palácio, no entanto, errei o caminho. Cabeça formada pelo cinema, disse para a minha companheira que fossemos pela porta central (atravessando o Pátio de Mármore) e ela aceitou. No seriado que vimos no Netflix, “Versalhes”, é por ali que o rei entrava... Mas isso no seriado. Na verdade, os aposentos reais estavam à direita (Ala Norte), os aposentos, a capela e a famosa Galeria dos Espelhos. E o que nos pareceu a principal porta de ingresso é uma porta que conduz aos quartos das princesas (menos impactante que as salas das alas norte e sul) e não o melhor percurso para iniciar a visita.

Pois é, cometi um erro típico de quem tem a cabeça formada pelo cinema (isto é, que tem mais presente na memória os filmes do que os livros de História) e me dei mal. Mas logo acertei o passo, encontrei o roteiro certo e o palácio se revelou na sua grandeza. É de encher os olhos. O absolutismo monárquico era mesmo tudo o que diziam. Luís XIV e seus sucessores sugaram as energias da nação, construíram maravilhas e o Terceiro Estado teve todas as razões do mundo para se rebelar.

Mas pularei a parte do palácio (sobre o qual escrevi na crônica anterior e a respeito do qual há muito mais a falar) e irei para os jardins. Se um dia tiver a oportunidade de visitar novamente Versalhes, darei mais tempo aos jardins.

Caminhei do Parterre das Águas (os lagos logo atrás do palácio) até o Petit Trianon (a residência particular de Maria Antonieta) e me senti realizado. Havia caixas de som escondidas entre os arbustos e elas enchiam o ar de uma música solene, com muito som de metais, que imaginei serem do repertório de Haendel (o compositor de "Música Aquática" e "Música para os Fogos de Artifício Reais"), mas posso estar enganado. Seja como for eram músicas adequadas para compor cenas majestosas, dessas que o Rei Sol protagonizava nos jardins.

Alameda central dos Jardins de Versalhes. Ao fundo, o Palácio.
Nessa hora, andando pelos jardins do Palácio, era a imaginação que me guiava. Estávamos na Fonte de Latona e convidei minha companheira para sairmos da alameda central e nos enfiarmos pelos corredores laterais, como talvez fizessem os aristocratas do passado. Avançamos por esses caminhos, de alamedas cercadas por árvores (onde a música desaparecia e o número de visitantes também) e ela me perguntou se eu sabia o caminho. Eu disse que não, mas que encontraríamos. Era um jardim francês (da França racionalista de Racine, pensei, e não um labirinto para iniciados), e o caminho iria surgir. Surgiu.

Continuava caindo uma chuva fina e talvez por isso as alamedas laterais estavam vazias e só se ouvia o farfalhar das folhas. Tive a impressão de ver a Condessa de Lafayette (autora de “A Princesa de Clèves”) conversando com Molière... mas isso na certa nunca aconteceu. Pura imaginação. Eles foram contemporâneos (ao menos nasceram no século XVII), mas brilharam no mundo literário em períodos distintos.

Minha companheira e eu andamos até o Petit Trianon, entramos no “pequeno château” pouco antes dele fechar (a funcionária nos avisando para entrarmos logo) e foi o melhor momento do dia. Uma dessas coisas que a gente vive e não sabe explicar. Pequenos momentos de satisfação, talvez de encontro com alguma fantasia, sei lá.

Olhei para minha companheira e tive certeza de que ela estava contente. Comparado com Versalhes (mas só comparado, como se vê na foto abaixo), o Petit Trianon é modesto e aconchegante (não tão cerimonial como o Palácio Real) e acho que é isso que encanta. 

Uma das salas do Petit Trianon.
Naquele momento, tivemos a impressão de estarmos no cenário dos amores privados de uma rainha que era obrigada a se sujeitar a um casamento político. O território, o ambiente e o climão das cenas de histórias de rainha que sempre nos fascinam.
Jardim privado do Petit Trianon.

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