sábado, 2 de novembro de 2019

Na Piazza della Rotonda


Desconfiava que a recente estadia que passei em Roma pudesse ser impactante... e foi. Passei dezessete dias na chamada Cidade Eterna e tenho a impressão de que ocorreu de tudo. Um exagero, claro. Nenhum acontecimento extraordinário, mas, ao mesmo tempo, experiências raras, ricas de emoção.

Uma tarde, sentado no degrau de uma casa na Piazza della Rotonda (a praça na qual se encontra o antigo Panteão romano, construído pelo imperador Adriano), observava o movimento dos turistas e acompanhei a chegada de um rapaz paraplégico numa cadeira de rodas. Ele vinha acompanhado por quatro mulheres, alegres e falantes, e parecia apresentar algum retardo mental. Tinha os movimentos das mãos e da cabeça travados e logo as mulheres posicionaram a sua cadeira para que ele apreciasse o monumento. Ao arrumarem a cadeira, o rapaz virou a cabeça para mim, sorriu e pude perceber a sua felicidade. Estava radiante. Tanto quanto eu, estava feliz.


Tive a impressão de entende-lo e também a de que ele me compreendia. Ou, ao menos, que sintonizávamos na mesma emoção (cada um ao seu modo), o sentimento prazeroso de estar em Roma, naquela praça, diante de um dos cartões postais da cidade, diante de uma das grandes realizações do Império Romano e assim por diante.

As mulheres continuavam falando entre si, rindo, enquanto o rapaz gesticulava, mexia a cabeça, não dizia uma palavra (acho que não falava) e parecia estar em êxtase. Deslumbrado, pensei eu, tão deslumbrado quanto eu ao contemplar o antigo templo romano, transformado em igreja católica, transformado em ponto turístico.

É a esse tipo de experiência que me referi no início da crônica. Nada de grandioso, de extraordinário, mas uma experiência simples, comum, e ao mesmo tempo profunda, arrasadora, de amplitude colossal.

Não era a primeira vez que eu estava em Roma nem a primeira vez que vinha até a Piazza della Rotonda visitar o Panteão. Nessa temporada romana, o Panteão estava no meu roteiro e várias vezes cruzei pela praça, em diferentes horários do dia e da noite.

Às vezes nem entrava no templo e ficava apenas na praça, sentado nos degraus da fonte ou, como naquela tarde, no degrau de uma porta. E, justo nessa tarde, o encontro com o paraplégico, um encontro sem palavras, apenas de olhares e sorrisos. Um pequeno grande momento.

Tenho a impressão de que o imperador Adriano compreenderia – ou, ao menos, o imperador recriado por Marguerite Yourcenar no seu romance Memórias de Adriano (livro que um dia dei de presente para minha mãe).

Minha estadia em Roma foi assim, marcada por esse tipo de vivência. Momentos muito ricos de emoção. Coisas de um turista atrapalhado (com enormes limitações na compreensão da língua italiana), um turista que foi professor de História e, principalmente, que foi um menino que achava que Roma era o centro do mundo.

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