Um amigo me propôs uma brincadeira: postar durante dez
dias, no Facebook, uma imagem de cada um dos dez filmes que mais me impactaram.
Topei. A regra do jogo era não fazer comentários. Apenas postar imagens. Segui o
roteiro proposto, mas retomo aqui a lista com um pequeno comentário a respeito
de cada um dos títulos.
Fiz a escolha entre os filmes que assisti na
infância e juventude. Só aqueles que me fascinaram. Não necessariamente os melhores. Mas os que marcaram, conquistaram meu coração & mente e me constituíram. Narrativas
cinematográficas, personagens, paisagens, atores e trilhas sonoras que forjaram
meu imaginário.
1. “Os 300 de Esparta”. Direção de Rudolph Maté. EUA,
1962.
Filme ambientado na Grécia antiga, no período das
lutas contra os invasores persas. Os exércitos de diversas cidades-estados gregas
se comprometem a deter os persas no desfiladeiro das Termópilas, mas na hora H só os espartanos - com uma tropa de elite de 300 homens - aguentam o rojão. Mesmo sabendo que não terão reforços, que não terão chance de vitória, os espartanos não recuam e optam pela morte heroica. O filme me pegou por aí: a
opção pelo sacrifício. A grandeza do sacrifício por uma causa grandiosa. O guri
de calças curtas que eu era ficou fascinado. O filme foi a minha porta de
entrada para esse importante episódio da Antiguidade e também do tradicional
elogio do martírio. Adulto, li e reli o longo capítulo do livro de Heródoto em
que essa batalha é abordada e sempre lembrei do filme, da emoção que tive ao
assisti-lo. Contei isso diversas vezes para os meus alunos de História Antiga.
2. “O Vigilante Rodoviário”. Direção de Ary Fernandes.
Brasil, 1962.
O menino que eu era ia ao cinema todos os finais de
semana e não se alimentava apenas de épicos norte-americanos. Devo ter visto
mais de uma vez esse filme do inspetor Carlos e seu fiel auxiliar, o cão Lobo.
Hoje sei que a fita reunia episódios de um seriado da TV Tupi, mas na época era
apenas uma das poucas opções de filme nacional que havia (junto com os de Oscarito e
Grande Hotel). O Vigilante Rodoviário ficou na memória como garantia de um
prazer semelhante ao das histórias em quadrinhos: a certeza da vitória do
mocinho contra qualquer malfeitor – e ainda ajudado pela esperteza de um cachorro
muito especial.
3. “O Rei dos
Reis”. Direção de Nicholas Ray. Roteiro de Philip Yordan e Ray Bradbury. EUA,
1961. 168 min.
Entre os filmes de temática católica que assisti na
infância (entre eles, “Marcelino, pão e vinho”) esse soou completamente
diferente. Um épico hollywoodiano, certo – mas nem um pouco sentimental como era
o padrão dos filmes religiosos. Criança, levei à sério a representação da
Palestina no tempo de Cristo apresentada pela produção. Não sei como entendi a
questão política apresentada, isto é, a do domínio romano sobre a Palestina e
as várias opções para enfrenta-lo: o colaboracionismo do rei Herodes, a luta de
libertação nacional liderada por Barrabás, a proposta pacifista de Jesus
Cristo. Filme político-religioso, a película claramente leva a plateia a
simpatizar com a doutrina de Cristo e o seu exemplo. É ele quem tem a melhor
proposta e atitude para se contrapor a crueldade da dominação do Império Romano
e também de transformar o mundo para melhor. O menino que eu era (que não
perdia a missa aos domingos) de alguma maneira percebeu isso: o poder da
mensagem cristã para o estabelecimento de um marco civilizatório. Mas não
compreendeu, claro, que esse marco civilizatório implicava no reconhecimento do
domínio do Império Norte-Americano. Decifrar os truques do cinema seria exigir
demais de um menino que ainda não terminara o Curso Primário.
4. “Rastros de ódio”. Direção de John Ford. Com John
Wayne e Natalie Wood. EUA, 1956. 120 min.
Assisti a esse faroeste quando criança, junto com
tantos outros de John Ford, como “No tempo das diligências”, “Forte Apache” e “Rio
Bravo”. Eu era parceiro de cinema de meu pai e ele adorava western,
especialmente aqueles com John Wayne. Ele deve ter assistido a maioria dos
filmes que esse ator encenou e não deixava de revê-los quando eram reprisados –
e geralmente me levava junto. “Rastros de ódio” me caiu como um filme estranho –
talvez devido ao aspecto sombrio do personagem interpretado por John Wayne – e só
percebi a sua grandeza quando era estudante universitário, num memorável ciclo de
faroeste no auditório da Assembleia Legislativa, em Porto Alegre. Memorável porque
nesse ciclo de cinema vi filmes de John Ford que havia assistido quando
criança, gostado, e jamais imaginado que fossem tão prestigiados pela crítica. Em “Rastros
de ódio”, uma dupla de cowboys procura durante anos umas meninas raptadas por
índios. Ao final, descobrem que apenas uma sobrevive e um deles (o sombrio cowboy
interpretado por John Wayne) deseja matá-la, pois não admite um familiar
aculturado pelos indígenas. A cena em que o cowboy é conquistado pela mocinha e
ele enfim decide salva-la é impactante (fotografia acima) e talvez indique um
emblemático e esperançoso episódio de superação do ódio racial. Provavelmente o
maior de todos os faroestes. O embate do homem de fronteira (o cowboy) com seus
sentimentos de repulsa e ódio diante do que lhe estranho (o mundo indígena, a
cultura e a presença dos nativos que vivem no território que os brancos lutam para
ocupar e dominar). Seguramente uma grande reflexão sobre o expansionismo
norte-americano tanto no Velho Oeste quanto no mundo após a Segunda Guerra
Mundial. Aos olhos de um espectador latino-americano, o drama contundente das
figuras que protagonizam o imperialismo ianque – figuras que são, ao final,
conquistadas por uma proposta humanista, o convívio com o diferente. Para o
estudante de esquerda que me tornei nos anos 70, uma película imperialista
genial. Filme impecável - desses que vou continuar revendo.
5. “El Cid”. Direção de Anthony Mann. Com Charlton
Heston e Sophia Loren. EUA/Itália, 1961. 182 min.
Assisti no Cine Pelotense e saí em estado de êxtase. Talvez
eu tivesse 10 anos de idade. Vivi, naquela tarde, uma das maiores emoções que o
cinema me proporcionou. Fiquei fascinado com a bravura do herói e impactado com
a utilização da figura do guerreiro cristão morto, encaixado em cima do cavalo,
empolgando seus soldados na batalha decisiva contra os mouros, para garantir a
conquista da cidade de Valência. Mas estranhei o fato do herói ter matado o pai
da mocinha, sua amada, e ela ainda assim ter ficado com ele. Devo ter cravado o
meu pai de perguntas a respeito do filme. Fiz o álbum de figurinhas que foi lançado na época e
o guardei por vários anos. Mas terminei perdendo-o. O épico dos épicos. Recordo
de um colega de aula, no Curso de História, afirmando que o filme foi a maior
criação mítica do cinema norte-americano. Um símbolo da luta contra os adversários
da Cristandade. Anos mais tarde li o “Poema de Mio Cid”, uma das referências
para a construção do roteiro, e fiquei decepcionado. A conquista de Valência
está no meio do poema e não ocupa o lugar central que tem na narrativa
cinematográfica. Nem a luta com os mouros é o tema central do poema. A criação hollywoodiana
é muito melhor. Também tive contato com a peça teatral de Corneille – “El Cid”,
1637 – e entendi que foi dali que os roteiristas se inspiraram para criar o
conflito do herói com o pai da mocinha, Ximena (fotografia acima). Conflito que
resultou em duelo, morte do pai de Ximena e banimento do herói para fora de
reino de Castela. Descobri, então, que minha cabeça foi feita pelo cinema hollywoodiano.
Afinal, durante anos, achei que a filme era a história verdadeira de Rodrigues
Dias de Bivar ou coisa assim. Me enganei redondamente. Mas não deixei de gostar
do filme e me comover com as lutas do Ocidente Cristão. Em especial, com o
romance entre o bravo guerreiro e a delicada e também determinada Ximena. Que
mulher – ou melhor, que interpretação brilhante a da atriz Sophia Loren.
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