sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Filmes que marcaram (1)


Um amigo me propôs uma brincadeira: postar durante dez dias, no Facebook, uma imagem de cada um dos dez filmes que mais me impactaram. Topei. A regra do jogo era não fazer comentários. Apenas postar imagens. Segui o roteiro proposto, mas retomo aqui a lista com um pequeno comentário a respeito de cada um dos títulos.
Fiz a escolha entre os filmes que assisti na infância e juventude. Só aqueles que me fascinaram. Não necessariamente os melhores. Mas os que marcaram, conquistaram meu coração & mente e me constituíram. Narrativas cinematográficas, personagens, paisagens, atores e trilhas sonoras que forjaram meu imaginário.

1. “Os 300 de Esparta”. Direção de Rudolph Maté. EUA, 1962.


Filme ambientado na Grécia antiga, no período das lutas contra os invasores persas. Os exércitos de diversas cidades-estados gregas se comprometem a deter os persas no desfiladeiro das Termópilas, mas na hora H só os espartanos - com uma tropa de elite de 300 homens - aguentam o rojão. Mesmo sabendo que não terão reforços, que não terão chance de vitória, os espartanos não recuam e optam pela morte heroica. O filme me pegou por aí: a opção pelo sacrifício. A grandeza do sacrifício por uma causa grandiosa. O guri de calças curtas que eu era ficou fascinado. O filme foi a minha porta de entrada para esse importante episódio da Antiguidade e também do tradicional elogio do martírio. Adulto, li e reli o longo capítulo do livro de Heródoto em que essa batalha é abordada e sempre lembrei do filme, da emoção que tive ao assisti-lo. Contei isso diversas vezes para os meus alunos de História Antiga.

2. “O Vigilante Rodoviário”. Direção de Ary Fernandes. Brasil, 1962.


O menino que eu era ia ao cinema todos os finais de semana e não se alimentava apenas de épicos norte-americanos. Devo ter visto mais de uma vez esse filme do inspetor Carlos e seu fiel auxiliar, o cão Lobo. Hoje sei que a fita reunia episódios de um seriado da TV Tupi, mas na época era apenas uma das poucas opções de filme nacional que havia (junto com os de Oscarito e Grande Hotel). O Vigilante Rodoviário ficou na memória como garantia de um prazer semelhante ao das histórias em quadrinhos: a certeza da vitória do mocinho contra qualquer malfeitor – e ainda ajudado pela esperteza de um cachorro muito especial.

 3. “O Rei dos Reis”. Direção de Nicholas Ray. Roteiro de Philip Yordan e Ray Bradbury. EUA, 1961. 168 min.


        Entre os filmes de temática católica que assisti na infância (entre eles, “Marcelino, pão e vinho”) esse soou completamente diferente. Um épico hollywoodiano, certo – mas nem um pouco sentimental como era o padrão dos filmes religiosos. Criança, levei à sério a representação da Palestina no tempo de Cristo apresentada pela produção. Não sei como entendi a questão política apresentada, isto é, a do domínio romano sobre a Palestina e as várias opções para enfrenta-lo: o colaboracionismo do rei Herodes, a luta de libertação nacional liderada por Barrabás, a proposta pacifista de Jesus Cristo. Filme político-religioso, a película claramente leva a plateia a simpatizar com a doutrina de Cristo e o seu exemplo. É ele quem tem a melhor proposta e atitude para se contrapor a crueldade da dominação do Império Romano e também de transformar o mundo para melhor. O menino que eu era (que não perdia a missa aos domingos) de alguma maneira percebeu isso: o poder da mensagem cristã para o estabelecimento de um marco civilizatório. Mas não compreendeu, claro, que esse marco civilizatório implicava no reconhecimento do domínio do Império Norte-Americano. Decifrar os truques do cinema seria exigir demais de um menino que ainda não terminara o Curso Primário.

4. “Rastros de ódio”. Direção de John Ford. Com John Wayne e Natalie Wood. EUA, 1956. 120 min.


Assisti a esse faroeste quando criança, junto com tantos outros de John Ford, como “No tempo das diligências”, “Forte Apache” e “Rio Bravo”. Eu era parceiro de cinema de meu pai e ele adorava western, especialmente aqueles com John Wayne. Ele deve ter assistido a maioria dos filmes que esse ator encenou e não deixava de revê-los quando eram reprisados – e geralmente me levava junto. “Rastros de ódio” me caiu como um filme estranho – talvez devido ao aspecto sombrio do personagem interpretado por John Wayne – e só percebi a sua grandeza quando era estudante universitário, num memorável ciclo de faroeste no auditório da Assembleia Legislativa, em Porto Alegre. Memorável porque nesse ciclo de cinema vi filmes de John Ford que havia assistido quando criança, gostado, e jamais imaginado que fossem tão prestigiados pela crítica. Em “Rastros de ódio”, uma dupla de cowboys procura durante anos umas meninas raptadas por índios. Ao final, descobrem que apenas uma sobrevive e um deles (o sombrio cowboy interpretado por John Wayne) deseja matá-la, pois não admite um familiar aculturado pelos indígenas. A cena em que o cowboy é conquistado pela mocinha e ele enfim decide salva-la é impactante (fotografia acima) e talvez indique um emblemático e esperançoso episódio de superação do ódio racial. Provavelmente o maior de todos os faroestes. O embate do homem de fronteira (o cowboy) com seus sentimentos de repulsa e ódio diante do que lhe estranho (o mundo indígena, a cultura e a presença dos nativos que vivem no território que os brancos lutam para ocupar e dominar). Seguramente uma grande reflexão sobre o expansionismo norte-americano tanto no Velho Oeste quanto no mundo após a Segunda Guerra Mundial. Aos olhos de um espectador latino-americano, o drama contundente das figuras que protagonizam o imperialismo ianque – figuras que são, ao final, conquistadas por uma proposta humanista, o convívio com o diferente. Para o estudante de esquerda que me tornei nos anos 70, uma película imperialista genial. Filme impecável - desses que vou continuar revendo.

5. “El Cid”. Direção de Anthony Mann. Com Charlton Heston e Sophia Loren. EUA/Itália, 1961. 182 min. 


Assisti no Cine Pelotense e saí em estado de êxtase. Talvez eu tivesse 10 anos de idade. Vivi, naquela tarde, uma das maiores emoções que o cinema me proporcionou. Fiquei fascinado com a bravura do herói e impactado com a utilização da figura do guerreiro cristão morto, encaixado em cima do cavalo, empolgando seus soldados na batalha decisiva contra os mouros, para garantir a conquista da cidade de Valência. Mas estranhei o fato do herói ter matado o pai da mocinha, sua amada, e ela ainda assim ter ficado com ele. Devo ter cravado o meu pai de perguntas a respeito do filme. Fiz o álbum de figurinhas que foi lançado na época e o guardei por vários anos. Mas terminei perdendo-o. O épico dos épicos. Recordo de um colega de aula, no Curso de História, afirmando que o filme foi a maior criação mítica do cinema norte-americano. Um símbolo da luta contra os adversários da Cristandade. Anos mais tarde li o “Poema de Mio Cid”, uma das referências para a construção do roteiro, e fiquei decepcionado. A conquista de Valência está no meio do poema e não ocupa o lugar central que tem na narrativa cinematográfica. Nem a luta com os mouros é o tema central do poema. A criação hollywoodiana é muito melhor. Também tive contato com a peça teatral de Corneille – “El Cid”, 1637 – e entendi que foi dali que os roteiristas se inspiraram para criar o conflito do herói com o pai da mocinha, Ximena (fotografia acima). Conflito que resultou em duelo, morte do pai de Ximena e banimento do herói para fora de reino de Castela. Descobri, então, que minha cabeça foi feita pelo cinema hollywoodiano. Afinal, durante anos, achei que a filme era a história verdadeira de Rodrigues Dias de Bivar ou coisa assim. Me enganei redondamente. Mas não deixei de gostar do filme e me comover com as lutas do Ocidente Cristão. Em especial, com o romance entre o bravo guerreiro e a delicada e também determinada Ximena. Que mulher – ou melhor, que interpretação brilhante a da atriz Sophia Loren.

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