segunda-feira, 19 de março de 2018

Memorial da Resistência - São Paulo.


Em 1969, um grupo de frades dominicanos foi preso pelo DEOPS/SP por apoiar a luta armada da ALN (Ação Libertadora Nacional). Frei Beto era um deles. Os frades não participavam de operações militares, eram um grupo de apoio tático e foi através deles que os agentes de segurança chegaram até um dos principais líderes da organização, Carlos Marighella, e o mataram.

A história está contada em diversos livros, entre eles Batismo de sangue, de Frei Beto (um dos melhores títulos da memorialística guerrilheira). O livro virou filme (muito bom, também entre os melhores a respeito do tema) e é lembrado numa das paredes do Memorial da Resistência, na cidade de São Paulo.

Os frades foram presos, rezaram uma missa na prisão e a cena (tal qual como representada no filme)  está desenhada numa das paredes do corredor do antigo conjunto prisional do DEOPS, reconstituído em 2007, com o propósito de manter viva a lembrança da resistência ao Regime Militar (1964-1985).



Estive no Memorial no início desse mês. Desci do metrô na Estação da Luz, caminhei meia dúzia de quadras até a Estação Pinacoteca, o prédio onde se encontra o Memorial, e fiquei impactado com os craqueiros atirados na calçada, dormindo em colchões ou sentados em grupo, acendendo seus cachimbos. A área está próxima à Cracolândia e um viajante como eu – vindo do interior do Rio Grande do Sul – não consegue deixar de ficar chocado.

A região é bastante policiada – abriga órgãos do governo estadual e sofisticados espações culturais (entre eles, a Sala São Paulo) – e dizem que os traficantes também auxiliam na segurança, impedindo que os drogados cometam “excessos”. Um lugar tranquilo de caminhar, me avisaram, mas chocante. “Umas das estações do Inferno”, me disse um paulistano.

Eu fui e respirei aliviado quando entrei no prédio. O Memorial ocupa parte do térreo da Estação Pinacoteca - que já abrigou os escritórios da Estrada de Ferro Sorocabana e depois foi sede do DEOPS, entre 1938 e 1983, e hoje reconstitui parte do conjunto prisional que ali existiu. O museu privilegia um conjunto de quatro celas (mais corredor de acesso e corredor para banhos de sol) e remete o visitante ao período de 1969-71, considerado o mais feroz da repressão política protagonizada pelo Regime Militar. Os vídeos e textos indicam as “atrocidades, desencanto, humilhação e desespero” que ali aconteceram, mas também remetem aos atos de “coragem, fraternidade e sábia resistência” que também ocorreram naquele espaço.
Não é um lugar deprimente. É um espaço de memória, de reflexão – de sóbria reflexão, acrescentaria. E a cena da missa dos frades dominicanos desenhada numa das paredes indica uma das intenções do museu: a de que existe esperança. Ou, ao menos, que se pode encenar a esperança. Mesmo não se acreditando em coisa alguma da simbologia da missa católica ali representada existe a possibilidade de se apostar na solidariedade e na resistência e luta contra regimes de opressão.

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