Em 1969, um grupo de frades dominicanos foi preso pelo
DEOPS/SP por apoiar a luta armada da ALN (Ação Libertadora Nacional). Frei Beto
era um deles. Os frades não participavam de operações militares, eram um grupo
de apoio tático e foi através deles que os agentes de segurança chegaram até um
dos principais líderes da organização, Carlos Marighella, e o mataram.
A história está contada em diversos livros, entre eles
Batismo de sangue, de Frei Beto (um
dos melhores títulos da memorialística guerrilheira). O livro virou filme
(muito bom, também entre os melhores a respeito do tema) e é lembrado numa das
paredes do Memorial da Resistência, na cidade de São Paulo.
Os frades foram presos, rezaram uma missa na prisão e
a cena (tal qual como representada no filme)
está desenhada numa das paredes do corredor do antigo conjunto prisional
do DEOPS, reconstituído em 2007, com o propósito de manter viva a lembrança da
resistência ao Regime Militar (1964-1985).
Estive no Memorial no início desse mês. Desci do metrô
na Estação da Luz, caminhei meia dúzia de quadras até a Estação Pinacoteca, o
prédio onde se encontra o Memorial, e fiquei impactado com os craqueiros
atirados na calçada, dormindo em colchões ou sentados em grupo, acendendo seus
cachimbos. A área está próxima à Cracolândia e um viajante como eu – vindo do
interior do Rio Grande do Sul – não consegue deixar de ficar chocado.
A região é bastante policiada – abriga órgãos do governo
estadual e sofisticados espações culturais (entre eles, a Sala São Paulo) – e
dizem que os traficantes também auxiliam na segurança, impedindo que os
drogados cometam “excessos”. Um lugar tranquilo de caminhar, me avisaram, mas
chocante. “Umas das estações do Inferno”, me disse um paulistano.
Eu fui e respirei aliviado quando entrei no prédio. O
Memorial ocupa parte do térreo da Estação Pinacoteca - que já abrigou os
escritórios da Estrada de Ferro Sorocabana e depois foi sede do DEOPS, entre
1938 e 1983, e hoje reconstitui parte do conjunto prisional que ali existiu. O museu privilegia um conjunto de quatro celas (mais corredor de acesso e corredor para
banhos de sol) e remete o visitante ao período de 1969-71, considerado o mais feroz
da repressão política protagonizada pelo Regime Militar. Os vídeos e textos indicam
as “atrocidades, desencanto, humilhação e desespero” que ali aconteceram, mas
também remetem aos atos de “coragem, fraternidade e sábia resistência” que
também ocorreram naquele espaço.
Não é um lugar deprimente. É um espaço de memória, de
reflexão – de sóbria reflexão, acrescentaria. E a cena da missa dos frades
dominicanos desenhada numa das paredes indica uma das intenções do museu: a de
que existe esperança. Ou, ao menos, que se pode encenar a esperança. Mesmo não
se acreditando em coisa alguma da simbologia da missa católica ali
representada existe a possibilidade de se apostar na solidariedade e na resistência e luta contra regimes de opressão.
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