Talvez fosse em 2001, quem sabe em 2002, estávamos
almoçando num dos restaurantes da PUC de Porto Alegre – minha mãe, minha mulher
e eu – e cruzamos com Marshall Berman. Ele vinha caminhando ao lado do bufê fartamente
servido (era o restaurante mais sofisticado da PUC) com um prato balançando na
mão, vestido com exagerada displicência, os cabelos despenteados, e minha mãe o
olhou de cima a baixo. Depois, na mesa, comentou:
– É esse escritor que vocês gostam tanto? Na certa
ele escreve melhor do que se veste.
Nós rimos e concordamos com ela. O famoso ensaísta norte-americano
realmente compunha uma figura estranhíssima naquele ambiente, mas dissemos que
valia a pena ler Tudo que é sólido se
desmancha no ar. Minha mãe, no entanto, não se interessou. Ela estava na
faixa dos setenta anos, tinha descoberto Machado de Assis, um autor que ela
passara a vida inteira achando chato e que, de repente, tornara-se uma das
suas leituras prediletas (junto com Eça de Queirós, um amor antigo).
Agora que minha mãe faleceu, meus irmãos e eu
dividimos os seus livros (alguns dos tantos livros que ela leu ao longo da
vida) e descobri entre eles um pequeno volume de contos de Machado, no qual ela
anotou que eu a presenteei depois de um almoço num shopping de Porto Alegre, em
2012.
Mas não lembro o almoço. Não sei se comemos camarão e
bebemos chope (um dos nossos cardápios prediletos) ou se comemos
galeto e bebemos vinho... Era um shopping onde costumávamos passear,
almoçar e, inevitavelmente, bater ponto na sua livraria.
A mãe lia regularmente e gostava de Machado, Eça,
Isabel Allende e tantos outros - os autores da Bíblia inclusive. Lia e relia os contos e romances machadianos (preferia
os romances), e muitas vezes eles nos serviam de porta de entrada para pensar a
“natureza humana” (um termo que ela empregava), os segredos e as sombras que
existem em todos nós.
Então eu olho os livros que me couberam na partilha e
sinto que continuo vivendo como se minha mãe estivesse comigo... Como se
ouvisse ela comentar os trajes de Marshall Berman ou as possíveis artimanhas da
machadiana Capitu:
– As mulheres são muito ardilosas, meu filho, te cuida.
Folheio os livros que ela leu com tanta atenção – obras
de Machado, Eça, Veríssimo, Josué Guimarães, Assis Brasil, Lígia Fagundes
Telles, tantos – e é como se ainda continuássemos conversando, conferindo
impressões de leitura, falando da família, de nós mesmos, tecendo essa teia de
afetos entre mãe e filho que tanto me alicerça, me fundamenta, e da qual sou
eternamente grato.
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