Alguém já escreveu que as viagens
continuam depois que chegamos em casa. O sujeito vai a Roma, Nápoles, Pompéia,
e volta lembrando os lugares visitados, lendo e relendo os folders e livros
adquiridos, vendo e revendo as fotos, e por aí vai, semanas e meses afora. É o
meu caso. Estive em Pompéia numa única manhã, em fevereiro desse ano, e
continuo caminhando pela Via dell’Abbondanza, tentando entender o que vi.
A Via dell’Abbondanza (Rua da
Abundância) é uma das importantes artérias dessa cidade romana, soterrada por uma
erupção vulcânica em 79 d.C. Fiz uma visita guiada com meu grupo de colegas de
Campus Magnoli (onde estávamos estudando língua e cultura italianas) e nesta
rua visitamos uma morada (domus) da elite local. Não sei se era a casa de
Paquio Proculo ou do Sacerdos Amandus. Meu italiano trôpego não entendeu
direito o guia e hoje, examinando o catálogo da cidade e o mapa com a localização
das moradias, suspeito tratar-se da casa do Sacerdos Amandus. Tirei algumas
fotos da casa, inclusive a de um afresco, que entendi como sendo uma
representação de Andrômeda sendo salva por Perseu – como se vê na foto abaixo,
no detalhe à direita. Este afresco se encontra no átrio da casa do Sacerdos Amandus (segundo o catálogo) e daí conclui que foi essa moradia que visitei.
Andrômeda fora acorrentada para
ser devorada por um monstro, Perseu passava pelo alto (voando em cima do seu
cavalo Pégaso), quando avista a princesa e se encanta. Retira da bolsa a cabeça
da Medusa (que recém havia matado e decapitado) e a apresenta ao monstro,
petrificando-o. Vencido o terrível adversário, Perseu se inclina diante da bela
Andrômeda.
O leitor mais bem informado poderá
dizer se me enganei ou não. Da minha parte, continuo andando pelas ruínas de
Pompéia, tentando decifrar os seus mistérios e encontrar os vestígios da cultura
e da vida romanas ali escondidos, camuflados. Caminho pela Via dell’Abbondanza, entro no Fórum – a praça
dos antigos prédios públicos para o exercício da política, da justiça, da
religião e do comércio – e lembro que fui professor de História Antiga durante
muitos anos.
Era um lugar como esse que eu tentava
enfocar nas minhas aulas: um local onde as práticas da religião e do Estado se intercambiavam
e forjavam um grande império e uma grande civilização (uma de nossas matrizes
culturais). Vejo meus colegas alegres e falantes – somos felizes nessa manhã ensolarada
e fria – e sinto que a algazarra da antiga praça romana se recria quase dois
mil anos depois.
O Sacerdos Amandus caminha ao
meu lado e pergunto a ele se aquele afresco de Perseu e Andrômeda lhe pertence.
E arrisco:
- A bela Andrômeda foi inspirada na sua esposa, senhor Amandus?
- A bela Andrômeda foi inspirada na sua esposa, senhor Amandus?
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