segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Santa Luzia

Encontrei várias imagens de Santa Luzia, nas igrejas de Portugal. Fiquei particularmente tocado por uma, na Igreja do Carmo, na cidade do Porto. Uma representação belíssima da santa: Luzia com uma expressão de entrega, Luzia com os olhos postos sobre uma bandeja, estendendo-a aos fiéis.
Li e reli a oração da santa, colocada aos pés da imagem, e talvez tenha rezado. Não sei. Não sou homem de fé, mas me comovo cada vez mais com as coisas do sagrado. E numa igreja do barroco português, do século XVIII, requintadamente luxuosa e sombria, é fácil se emocionar. Afinal, essas igrejas foram planejadas para isto: reduzir o homem a dimensão finita e predispô-lo emocionalmente ao mistério.
“Ó, Santa Luzia, luz dos meus olhos, trazei-me clareza e confiança com o sol de cada manhã.” Este é o trecho inicial da oração à santa, tal como é conhecida no Brasil. No entanto, era diferente a oração colocada aos pés da imagem de Santa Luzia, lá na Igreja do Carmo.
Diferente também a história da santa que o guia contou. Na sua versão, a moça é ameaçada de “perder a pureza” e entrega os olhos para se salvar. Na versão mais difundida, Luzia é uma romana do final do século III, em Siracusa, que enfrenta as perseguições do imperador Diocleciano. Colocada frente ao centurião, ela é acusada de ter passado a sua fortuna para os cristãos. Luzia é questionada sobre isso, não se arrepende do que fez, e, num gesto de despojamento, tira os olhos do rosto e os entrega ao militar. Ela se despoja de tudo em prol da cristandade. Na seqüência, é decapitada pelo centurião.
Devido a isso, tornou-se a protetora das doenças dos olhos, das infecções e da cegueira. Não é por nada que tenho um fraco pela santa. Afinal, desde os 21 anos, tenho periódicas inflamações na íris e me tornei freguês cativo de oftalmologistas. Nada grave, tudo contornável pela medicina – mas a exigir cuidados constantes. Por isso, não seria exagero dizer que minha vida tem sido um esforço contínuo para debelar inflamações nos olhos, evitar seqüelas graves e continuar enxergando bem.
Não seria capaz do despojamento de Luzia e talvez por isso eu não esqueça sua história. Ela foi capaz de entregar os olhos “frementes como peixes recém pescados”. Delicada, ela enfrentou o Império Romano e parece capaz de me acolher... Acolher um homem assustado, que não quer perder a visão.

2 comentários:

  1. comovente a história da santa. isso é o que se chama de desprendimento, ao extremo.

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  2. Linda narrativa,Vitor. Na década de 70, trabalhei na Obra Assistencial Santa Luzia, na Vila Farrapos, em Porto Alegre, mas não tinha a menor ideia de que fora Luzia: uma corajosa mulher.

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