Encontrei várias imagens de Santa Luzia, nas igrejas de Portugal. Fiquei particularmente tocado por uma, na Igreja do Carmo, na cidade do Porto. Uma representação belíssima da santa: Luzia com uma expressão de entrega, Luzia com os olhos postos sobre uma bandeja, estendendo-a aos fiéis.
Li e reli a oração da santa, colocada aos pés da imagem, e talvez tenha rezado. Não sei. Não sou homem de fé, mas me comovo cada vez mais com as coisas do sagrado. E numa igreja do barroco português, do século XVIII, requintadamente luxuosa e sombria, é fácil se emocionar. Afinal, essas igrejas foram planejadas para isto: reduzir o homem a dimensão finita e predispô-lo emocionalmente ao mistério.
“Ó, Santa Luzia, luz dos meus olhos, trazei-me clareza e confiança com o sol de cada manhã.” Este é o trecho inicial da oração à santa, tal como é conhecida no Brasil. No entanto, era diferente a oração colocada aos pés da imagem de Santa Luzia, lá na Igreja do Carmo.
Diferente também a história da santa que o guia contou. Na sua versão, a moça é ameaçada de “perder a pureza” e entrega os olhos para se salvar. Na versão mais difundida, Luzia é uma romana do final do século III, em Siracusa, que enfrenta as perseguições do imperador Diocleciano. Colocada frente ao centurião, ela é acusada de ter passado a sua fortuna para os cristãos. Luzia é questionada sobre isso, não se arrepende do que fez, e, num gesto de despojamento, tira os olhos do rosto e os entrega ao militar. Ela se despoja de tudo em prol da cristandade. Na sequência, é decapitada pelo centurião.
Devido a isso, tornou-se a protetora das doenças dos olhos, das infecções e da cegueira. Não é por nada que tenho um fraco pela santa. Afinal, desde os 21 anos, tenho periódicas inflamações na íris e me tornei freguês cativo de oftalmologistas. Nada grave, tudo contornável pela medicina – mas a exigir cuidados constantes. Por isso, não seria exagero dizer que minha vida tem sido um esforço contínuo para debelar inflamações nos olhos, evitar sequelas graves e continuar enxergando bem.
Não seria capaz do despojamento de Luzia e talvez por isso eu não esqueça sua história. Ela foi capaz de entregar os olhos “frementes como peixes recém pescados”. Delicada, ela enfrentou o Império Romano e parece capaz de me acolher... Acolher um homem assustado, que não quer perder a visão.
comovente a história da santa. isso é o que se chama de desprendimento, ao extremo.
ResponderExcluirLinda narrativa,Vitor. Na década de 70, trabalhei na Obra Assistencial Santa Luzia, na Vila Farrapos, em Porto Alegre, mas não tinha a menor ideia de que fora Luzia: uma corajosa mulher.
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