quarta-feira, 23 de julho de 2025

As gurias do Rococó

 

No início da década de 1970, quando era estudante do Julinho (Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre), a professora de História da Arte dividiu a turma em grupos e cada um apresentou um período da arte ocidental: o Gótico, o Renascimento, o Rococó, e por aí vai. Não tenho certeza a respeito de qual escola artística meu grupo precisou dar conta (talvez o Barroco), mas as gurias que se sentavam a minha frente apresentaram o Rococó e disto jamais esqueci.

Eram quatro moças entre 16 e 18 anos (estávamos no segundo ou terceiro ano do Colegial) e duas delas eu achava excepcionalmente bonitas. Quando elas ficaram na frente da turma, na hora da apresentação, uma delas (de pele muito branca) abriu um enorme livro com reproduções de pinturas, mostrou o quadro “Madame de Pompadour”, pintado por François Boucher, e fiquei deslumbrado. Na minha fantasia de adolescente, minha colega se tornou a encarnação desse ideal de beleza aristocrática que frequenta nossos contos de fadas, romances e filmes.

"Madame de Pompadour" (1759), de François de Boucher.

Na verdade, as quatro integrantes do grupo passaram a ter atributos daquele estilo artístico que floresceu na corte de Luís XV, na França. E não apenas aos meus olhos, pois no conceito da turma elas se tornaram “as gurias do Rococó”. Eram suaves, graciosas e sensuais (como os trabalhos artísticos apresentados), cada uma ao seu jeito de simples meninas do colegial.

Estou exagerando? Certamente. No entanto foi desse modo que elas ficaram no meu imaginário. Não me apaixonei por nenhuma delas, mas como poeta aprendiz que era, aprendendo a versejar tanto quanto a admirar a Beleza (com inicial maiúscula), coloquei-as no meu panteão de beldades. Eu lia e relia Hermann Hesse e gostava muito de um conto de sua autoria, intitulado “O Poeta”, no qual o personagem preferia olhar a beleza de longe, como espectador solitário, a se envolver com ela.[1]

Dessa maneira, François Boucher, Jean-Honoré Fragonard e Antoine Watteau entraram no meu radar de interesse. Eu frequentava uma das bibliotecas da escola, numa sala no subsolo do bloco principal, com belíssimas coleções de arte, e as folheava com interesse. Alguns títulos eram em francês e eu lia com enorme dificuldade.

Hoje, é engraçado pensar que o adolescente que eu era (ainda envolvido com a Igreja Católica e, ao mesmo tempo, atraído pelo rock e a Contracultura) fosse capaz de ter interesse pela arte mais frívola do Ocidente, aquela que vicejou na França do Absolutismo, no reinado de Luís XV, e teve Boucher e Watteau como expoentes máximos. Curioso.

Quando visitei o Museu do Louvre, em 2019, passei apressado por um dos mais sensuais quadros de Boucher, “Diana no banho”, e só dei uma espiada. O museu já ia fechar, minha antiga companheira e eu estávamos no Louvre desde a abertura, faltava ver a “Monalisa” e corremos até a sua sala. Mas a divina Diana, pintada por Boucher, não me deixou passar ileso. “Estou aqui”, ela sussurrou (erguendo seu delicado pezinho nu) e eu a olhei de canto de olho.

"Diana no banho" (1742), de François Boucher.

Quando penso nisso (que pecado não ter parado e referenciado a divina deusa), lembro também das “gurias do Rococó” e das horas que passei na biblioteca do Julinho folheando livros de arte, procurando naquelas imagens um guia para desvendar o mundo. Imagens que até hoje me povoam e enfeitiçam.



[1] No conto citado, um poeta chinês observa uma festa do outro lado do rio, deseja estar lá, gozar a alegria, mas opta por “assistir àquilo tudo como um espectador sensível” e, mais tarde, apresentar a cena “numa poesia perfeita”. Dia do bulício da vida, ele opta por “refletir o mundo [...] na poesia.” (HESSE, Hermann. Contos. RJ: Civilização Brasileira, 1970.)

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