No início da década de 1970, quando era estudante
do Julinho (Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre), a professora de
História da Arte dividiu a turma em grupos e cada um apresentou um período da arte
ocidental: o Gótico, o Renascimento, o Rococó, e por aí vai. Não tenho certeza
a respeito de qual escola artística meu grupo precisou dar conta (talvez o
Barroco), mas as gurias que se sentavam a minha frente apresentaram o Rococó e
disto jamais esqueci.
Eram quatro moças entre 16 e 18 anos (estávamos no
segundo ou terceiro ano do Colegial) e duas delas eu achava excepcionalmente
bonitas. Quando elas ficaram na frente da turma, na hora da apresentação, uma
delas (de pele muito branca) abriu um enorme livro com reproduções de pinturas,
mostrou o quadro “Madame de Pompadour”, pintado por François Boucher, e fiquei
deslumbrado. Na minha fantasia de adolescente, minha colega se tornou a
encarnação desse ideal de beleza aristocrática que frequenta nossos contos de
fadas, romances e filmes.
"Madame de Pompadour" (1759), de François de Boucher. |
Na verdade, as quatro integrantes do grupo passaram
a ter atributos daquele estilo artístico que floresceu na corte de Luís XV, na
França. E não apenas aos meus olhos, pois no conceito da turma elas se tornaram
“as gurias do Rococó”. Eram suaves, graciosas e sensuais (como os trabalhos
artísticos apresentados), cada uma ao seu jeito de simples meninas do colegial.
Estou exagerando? Certamente. No entanto foi desse modo
que elas ficaram no meu imaginário. Não me apaixonei por nenhuma delas, mas como
poeta aprendiz que era, aprendendo a versejar tanto quanto a admirar a Beleza
(com inicial maiúscula), coloquei-as no meu panteão de beldades. Eu lia e relia
Hermann Hesse e gostava muito de um conto de sua autoria, intitulado “O Poeta”,
no qual o personagem preferia olhar a beleza de longe, como espectador
solitário, a se envolver com ela.[1]
Dessa maneira, François Boucher, Jean-Honoré Fragonard
e Antoine Watteau entraram no meu radar de interesse. Eu frequentava uma das bibliotecas
da escola, numa sala no subsolo do bloco principal, com belíssimas coleções de
arte, e as folheava com interesse. Alguns títulos eram em francês e eu lia com
enorme dificuldade.
Hoje, é engraçado pensar que o adolescente que eu era
(ainda envolvido com a Igreja Católica e, ao mesmo tempo, atraído pelo rock e a
Contracultura) fosse capaz de ter interesse pela arte mais frívola do Ocidente,
aquela que vicejou na França do Absolutismo, no reinado de Luís XV, e teve Boucher
e Watteau como expoentes máximos. Curioso.
Quando visitei o Museu do Louvre, em 2019, passei
apressado por um dos mais sensuais quadros de Boucher, “Diana no banho”, e só dei
uma espiada. O museu já ia fechar, minha antiga companheira e eu estávamos no
Louvre desde a abertura, faltava ver a “Monalisa” e corremos até a sua sala.
Mas a divina Diana, pintada por Boucher, não me deixou passar ileso. “Estou
aqui”, ela sussurrou (erguendo seu delicado pezinho nu) e eu a olhei de canto
de olho.
"Diana no banho" (1742), de François Boucher. |
Quando penso nisso (que pecado não ter parado e
referenciado a divina deusa), lembro também das “gurias do Rococó” e das horas
que passei na biblioteca do Julinho folheando livros de arte, procurando
naquelas imagens um guia para desvendar o mundo. Imagens que até hoje me povoam
e enfeitiçam.
[1] No conto
citado, um poeta chinês observa uma festa do outro lado do rio, deseja estar
lá, gozar a alegria, mas opta por “assistir àquilo tudo como um espectador
sensível” e, mais tarde, apresentar a cena “numa poesia perfeita”. Dia do
bulício da vida, ele opta por “refletir o mundo [...] na poesia.” (HESSE,
Hermann. Contos. RJ: Civilização Brasileira, 1970.)
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