Estou na sala de espera do setor de medicina
nuclear do Hospital Moinhos de Vento para exames de cintilografia. Exames que
investigam o funcionamento do coração, pulmão, rins, tireoide e outros órgãos.
Somos quatro homens idosos na sala de espera e não conversamos a respeito de
nossos problemas de saúde. Falamos de política. Melhor dizendo, um de nós fala,
os outros escutam. Ele comenta a política do tarifaço que o presidente Trump
realiza para intimidar diversos países do mundo.
– Não há racionalidade alguma – ele afirma. Fala de
um parente que mora numa pequena cidade dos Estados Unidos e da corrida da
população para comprar smartfones e eletrodomésticos. – Esses produtos irão
escassear nas prateleiras, ficar muito mais caros e o pessoal está
enlouquecido, comprando. Um tiro no pé essas medidas malucas que o presidente
vem implementando.
Diz que o seu parente era um admirador da sociedade
americana e tudo fez para morar lá. Vendeu o que tinha, apartamento e carro, e
foi com a mulher. Agora tem um filho e uma pequena empresa prestadora de
serviços (manutenção de aparelhos de ar-condicionado) que se
utiliza de mão-de-obra imigrante. Acha que sua situação é estável, mas não tem
certeza.
– Agora não sabe em que pé as coisas vão ficar –
ele comenta. – Incerteza total em relação à economia, isto é, ao abastecimento
de produtos industriais, a maioria produzida no exterior, e quanto ao mercado
de trabalho movido com mão-de-obra imigrante.
Estou num espaço da classe média alta
porto-alegrense, uma camada social que tem a economia e a sociedade
norte-americana como referenciais positivos, e penso que agora já é possível criticar os
Estados Unidos. Algo inimaginável há pouco tempo. Um ano atrás, alguém
sairia em defesa dos States, na hora. Não admitira falarem mal do “paraíso”. Agora
não.
Lembro de um parente que morava em Miami e vivia
trombeteando que “aqui as coisas funcionam”, “é um país decente, com regras”.
Uma chatice a sua conversa. Nós mantivemos contato via Messenger por um tempo e
eu pedi para ele largar de mão de me enviar vídeos para convencer a respeito das maravilhas
do capitalismo estadunidense em contraponto ao caos brasileiro (agravado pelos governos petistas, segundo ele). “Tu não vais me convencer”, eu escrevi, “não me manda mais
esses vídeos de propaganda direitista, alguns deles de muito baixo nível,
quando não fake news descaradas”. Expliquei que estávamos campos político
distintos, mas que éramos primos e seria legal não perdermos o contato”.
Insisti, mas não deu certo. Ele só queria fazer conversa política e eu larguei
de mão.
Depois ele adoeceu e veio se tratar no
Brasil. A medicina de lá na certa não funciona tão bem quanto a economia e a
sociedade, sei lá. As regras do atendimento médico não foram favoráveis a ele e isso
que ele garantia que ganhava a uma boa grana. “Um dinheiro que não levantaria
no Brasil com esses políticos corruptos que tem por aí.” Enchia o saco esse meu
primo. Uma hora dessas preciso procurar esse primo.
Tenho vontade de contar essa história ao meu colega
de exame de cintilografia, mas me calo. Só escuto. Qual o órgão interno que ele
irá avaliar: coração, pulmão ou tireoide? Nós dois temos obstruções de
coronárias ou hipertiroidismo? O que o futuro nos aguarda? Conseguiremos
administrar nossas respectivas doenças? Não sei, não falamos disso. Ele fala do
Trump e eu concordo: é um político da pior espécie. Um bravateiro arrogante que
declarou que os dirigentes do mundo inteiro virão “lamber o meu traseiro” (sim,
o chefe da Casa Branca usou essa expressão) para negociar o valor de tarifas
comerciais, mas não é isso que vem ocorrendo. O líder da segunda potência
mundial, Xi-Jinping, nem se coçou para conversar com o topetudo de Washington.
E, na sala de espera de um hospital frequentado pela classe média tão admiradora dos States, ninguém defende o seu atual mandatário. Um sinal dos novos tempos: já dá pra falar mal dos Estados Unidos. Não é mais o país onde tudo funciona, regido por uma lógica invejável. A extrema direita brasileira parece que está estupefata com o seu grande líder no Norte.
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