Tornei-me um usuário de aplicativos de transporte e
às vezes converso com os motoristas. Nem sempre. Não tenho um padrão para isso.
Mas gosto quando acontece uma conversa e pintam boas histórias.
Semana atrás foram os córregos que existiam em
Porto Alegre e, hoje, estão canalizados. No bairro Boa Vista, por exemplo (onde
moro atualmente), até o início dos anos 1980 havia um pequeno arroio com peixes
e a gurizada usava para tomar banho, me garantiu um motorista. Ele era um
desses garotos. Depois veio o Shopping Iguatemi, a abertura da Avenida Nilo
Peçanha, o fim dos chalezinhos de madeira, a construção de edifícios bacanas, a
canalização do arroio e tudo mudou. Difícil rastrear por onde passava esse
“veio de água” a que o motorista se referiu.
Outro dia foram as novas relações que se
estabeleceram entre os humanos e os animais domésticos. “Hoje é o gato que
manda lá em casa”, afirmou o motorista. “Ninguém doma um bicho desses, é
diferente dos cachorros”, ele adiantou, dizendo que tem três cães, um gato, e
sabe bem o que é isso. “Os cachorros são mais obedientes”, garantiu.
Eu perguntei se ele era casado, se morava em casa e
tinha filhos e ele respondeu item por item. Era casado, morava numa casa com
pátio e não tinha filho. “Eu sou a criança da casa”, ele disse, “não tenho
jeito pra cuidar um pentelho e a mulher entende isso”, arrematou.
A criança da casa... Puxa vida. Um homem que
aparenta 40 anos e, ao que tudo indica, se nega a crescer. Eu não soube mais o
que falar e ele continuou conversando. Perguntou se podia parar numa casa
veterinária (precisava pegar um remédio para o cachorro salsichinha, que estava
com dor na coluna) e eu disse que não tinha problema. “Não tenho pressa”,
garanti. Ele estacionou, levou dois minutos para descer e trazer o medicamento,
e depois continuou falando dos animais domésticos da sua casa. Adorava a
bicharada.
“Com eles eu não me incomodo de dar toda a atenção
do mundo. Mas com um filho eu não teria paciência. Criança é muito exigente. Já
basta eu”, concluiu. E eu não prestei mais atenção no que ele falava. Fiquei
imaginando qual seria a conversa da mulher. Que mulher aguenta um cara desses?,
me perguntei. Deve ser outra apaixonada por cães e gatos, imaginei, senão não
ia dar liga. Iam viver brigando.
Mas lembrei de uma tese de doutorado a respeito do
comportamento feminino (de mulheres paulistanas de classe média) que apresenta
uma série de casos de mulheres que nem perguntaram aos maridões se eles queriam
ou não ter filhos. Engravidaram e pronto, os homens que assumissem os rebentos
e aí que se tornassem pais ausentes, os desnaturados. Talvez a mulher do
motorista, um dia, siga esse roteiro e, numa tacada, o destrone da sua condição
de criança da casa. O homem vai enlouquecer.
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