terça-feira, 12 de novembro de 2024

Que tempos aqueles!

 

Alguns historiadores da sexualidade afirmam que a sociedade burguesa criou um silêncio em torno do que se passava dentro do quarto do casal. Um silêncio que perdurou até a década de 1960, quando se deu (ou iniciou) a tal “revolução sexual”, possibilitada pela difusão da pílula anticoncepcional.

É um exagero colocar a pílula como fator determinante dessa transformação comportamental a que chamamos de “revolução sexual”, afinal, o fator tecnológico (como a criação de uma medicação) foi apenas mais um na série de elementos que desencadearam as mudanças socioculturais dos anos 60. Mesmo assim, vá lá, a pílula teve um impacto tremendo.

Nos anos 70, as moças iam à farmácia para adquirir a primeira cartela de pílulas e isso consistia em uma espécie de ritual de iniciação, um movimento para romper o silêncio criado em torno da sexualidade. Encarar a “questão da concepção”, desvincular o ato sexual da reprodução e se preparar para viver a sexualidade, a delícia de “fazer amor”.

As mães não podiam saber e os pais, muito menos. Geralmente era uma tia ou amiga experiente quem orientava a moçoila nessa iniciação e o namoradinho, aquele que seria o elemento “deflorador” (ainda se usava esse termo), pouco sabia da novela toda.

Li o pequeno livro de Mary Del Priore, “Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história brasileira” (comentado na crônica anterior), e ainda estou tentando entender as mudanças que ocorreram... Entre os sinais dessas transformações, a aquisição da pílula.

Uma antiga namorada me relatou como foi a sua ida até a farmácia para adquirir a primeira cartela... e parece que vejo a cena. Ela e uma amiga, ambas “mortas de vergonha”, de óculos escuros, na porta da farmácia, escolhendo qual a funcionária as iria atender. “Vixe, como era complicado naquele tempo!”, ela comentou. Não era mais necessário receita médica, mas parece que era preciso contar com a compreensão do balconista. Um acontecimento e tanto.

O rompimento do silêncio criado em torno do que se passava dentro do quarto do casal? Sim, acho que não exagero. A maioria das filhas não sabia como suas mães transavam, se elas já utilizavam a pílula, se continuavam na “tabelinha”, se adotavam o diafragma ou outro método. Quanto aos rapazes, a ignorância era maior – com a diferença de que alguns já tinham perdido a virgindade, mas geralmente com uma prostituta (num quarto de cabaré ou, numa alternativa mais barata, com uma prostituta de calçada, de pé).

A mãe de uma amiga (uma mãe extremamente católica) dissera a filha que na hora do sexo cumpria as suas obrigações “como uma tábua”, sem sentir prazer algum (como se isso fosse uma virtude) e a pobre da guria me contou isso estarrecida.

Ainda vigorava o padrão criado no século XIX no qual as moças deviam ser inocentes e puras, semelhante às heroínas dos romances de José de Alencar (que se lia muito, ao menos eu li, no tempo de Ginásio), enquanto os rapazes deviam se aventurar nos prostíbulos e deter algum conhecimento. Que tempos, vixe! De um lado uma literatura exageradamente romântica, propagandeando uma postura idealista em relação ao amor, de outro os “catecismos” do Carlos Zéfiro versando sobre o mesmo assunto numa abordagem sacana, reduzindo o sexo a uma “grossa putaria”.

As moças envoltas em ares de virgindade, ignorantes a respeito da vida sexual, e os rapazes colocados na posição daqueles que deveriam “saber tudo”, mas na verdade lidando com informações muito rasas. Pobres rapazes! Sabíamos muito pouco. Os maiores sortudos haviam tido alguma experiência com uma tia, prima ou amiga mais velha, mas isso às vezes não adiantava grande coisa.

Uma noite, num bar de posto de gasolina (nas imediações da Avenida Farrapos), ouvi o relato de uma noite de núpcias na qual o noivo rasgara o vestido da noiva e a possuíra “sem frescuras”. Aquilo era brutal, mas também fascinante. Coisa de macho. Do ponto de vista masculino, não era completamente condenável. Comentámos que aquele não era o modelo ideal de tratar uma noiva, mas certamente uma alternativa. “As mulheres são cheias de dengues e não dá pra afrouxar”, avisavam os mais velhos. Era preciso firmeza para cumprir o papel de homem na primeira noite de casamento.

Que tempos aqueles, vixe! Éramos os figurantes de uma geração que deixava de se relacionar regularmente com prostitutas, que começava a transar com as namoradas, no entanto esbanjávamos ignorância a respeito de como fazermos isso...

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