Estava
em Porto Alegre e acessei o aplicativo para chamar um carro para me levar ao
shopping. Queria fazer uma refeição rápida e assistir a um filme. Entrei no
veículo, o motorista estava com o verbo e começou dizendo que a vida não está
fácil. Falou da inflação descontrolada, do preço dos alimentos e disse que o governo não está
facilitando, pois o Lula fala o que não deve, mete os pés pelas mãos, é um
desastre. Eu comentei que a inflação está abaixo das previsões e o Lula
apenas rebate o alarmismo dos agentes do mercado. Enquanto isso o ministro da
Fazenda, em total sintonia como Presidente, negocia com os representantes da classe
patronal e busca atender as suas demandas.
–
É jogo duro – conclui. – Difícil conciliar essas demandas do mercado com as
necessidades dos trabalhadores.
Desconfiei
que o homem era eleitor do Bolsonaro e utilizei palavras fora do usual para sinalizar que ele não estava conversando com um tonto. Imaginei que
ele estava na faixa dos 70 anos (75 anos talvez) e perguntei se era motorista
desde cedo.
–
Não, tive comércio alguns anos. Uma loja de roupas, perdi tudo e fui para o
táxi. Agora estou no aplicativo.
–
Sempre aqui em Porto Alegre?
O
homem respondeu que sempre trabalhou na região metropolitana, desfiou a sua
vida e descobri que tínhamos a mesma idade: 68 anos. Ele era natural de
Cachoeira, da zona rural, mas logo a família se mudou para a cidade e, aos
trancos e barrancos, ele foi em frente. “Sem grandes confortos”, acentuou. Cursou
um colégio comercial e acrescentou, com orgulho, que “naquele tempo os colégios
formavam gente para o trabalho e não como hoje que deixam a gurizada sem saber
fazer coisa alguma”. No final dos anos 70 estava em Alvorada e foi aí que abriu
a sua loja.
Lembrei
(mas não falei) que nesta mesma época (1978) comecei a lecionar num grupo
escolar (Júlio César Ribeiro de Souza) logo na entrada de Alvorada. Uma escolinha
de madeira que, mais tarde, foi reconstruída com material, prédios de dois
pisos, uma modernização só (ao menos visto de longe).
O
homem falou a respeito das dificuldades em manter um pequeno comércio numa
cidade como Alvorada, observei o seu corpo castigado (se teve empregados, devia
pegar parelho com eles, imaginei) e não disse a minha idade. Fiquei
constrangido.
É
isto: às vezes me constranjo com a minha origem na classe média (filho de pai
bancário e mãe professora primária), que não viveu as agruras do campo, sempre
morou no espaço urbano e teve acesso a comodidades e confortos. E, apesar de
ter sido professor da rede estadual por mais de uma década, não vivi a
precariedade da maioria dos brasileiros. Um privilegiado, de certa forma.
O
homem me pareceu um trabalhador castigado pela vida e voltou à carga em relação
ao governo petista.
–
Não é desse jeito que se governa um país – ele falou.
Um
bolsonarista, concluí, e me calei, sem ânimo de continuar a conversa. Fiquei
olhando a cidade, a parte bonita de Porto Alegre (estava indo na direção do
Shopping Bourbon Country), e lembrei que esta é uma cidade que passou por um
desastre natural, em grande parte acentuado pelo negacionismo (alimentado pelo
bolsonarismo) do grupo dirigente tanto no governo estadual quanto no municipal.
Um negacionismo que ocasionou o relaxamento dos cuidados ambientais e do
sistema de proteção de Porto Alegre em relação às cheias do Guaíba. Uma cidade
que ainda tem marcas da enchente em algumas paredes, mas não na região do shopping
em que eu desci para ir jantar e assistir a um filme.
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