Em 1978 e 1979, lecionei no Grupo Escolar Júlio
César Ribeiro de Souza. Recém concluíra a Licenciatura em História, tinha 22
anos, e estava super disposto a entrar na lida.
A escola ficava na entrada de Alvorada, numa
baixada, e, às sete da manhã, não era raro estar envolta pela neblina, devido a
um rio que passava nas imediações e que nunca conheci. Eu desembarcava do ônibus,
atravessava a estrada e entrava pelo portão da escola. Pouco conhecia dos
arredores da escola.
Uma escola sem muro de tijolos. Apenas uma cerca de
tela com um grande furo numa das extremidades, que a D.E. já avisara que não
tinha verba para consertar. A escola que providenciasse.
Um dia, por volta do meio-dia (a escola sem alunos,
algumas professoras almoçando numa sala), um homem arrastou uma menina para debaixo
dos prédios das salas de aula e ninguém viu nem ouviu coisa alguma. (A escola
era do tipo brizoleta, com os prédios de madeira erguidos a uma pequena distância
do chão, numa altura que dava para um homem entrar, se arrastando.)
O homem queria violentar a guria, mas ela escapou. Saiu
correndo, gritando, pelo pátio da escola, e o sujeito escapou pelo mesmo buraco
da tela por onde havia entrado.
As professoras acudiram a menina e ela, logo que
viu que o homem sumira, também escapuliu.
As professoras contavam aliviadas que nada havia
acontecido. O estupro não se consumara. A menina não era aluna da escola,
estava passeando por ali e o homem a atacou. Eram conhecidos.
Escutei essa história na sala dos professores, ao
lado de uma janela, olhando o espaço entre o chão e os prédios, onde volta e
meia se escondia algum cachorro com o qual a gurizada tinha se divertido jogando
pedras.
Um mundo girando ao meu redor com os seus fatos
comezinhos e eu preocupado com o fato da escola ser “um aparelho ideológico do
Estado” e eu não saber como atuar para não ser um agente da reprodução da dominação
burguesa... Sem saber como desenvolver o pensamento crítico na gurizada.
Boa essa, não é mesmo? Mas eram essas as minhas
preocupações centrais. Um dia entreguei para a Coordenadora Pedagógica as
provas que iria aplicar nos alunos das quintas séries (a escola só atendia até
a quinta série do 1º Grau) e ela só corrigiu um e outro deslize no português. O
tema era a colonização, a montagem do sistema colonial e escrevi a palavra “açúcar”
(cana-de-açúcar, engenho de açúcar) sem acentuar. Que cochilo!
Havia uma questão sobre escravidão e racismo, a
Coordenadora não fez nenhuma objeção, mas me avisou que havia uma determinação
da D.E. recomendando que racismo não fosse abordado, pois isso não existia no
Brasil.
– Tu sabias que não existe racismo no Brasil?
A Coordenadora era uma mulher de cabelos louros,
pele alva, muito alva, e eu não sabia se era para rir ou não. Ela percebeu meu embaraço
e sorriu.
Apliquei a prova e os alunos não se saíram mal na
questão sobre as relações entre o nosso passado escravista e o racismo existente
na sociedade brasileira dos anos 1970.
Tenho a impressão de que a maioria dos alunos não
era negra, o tema, porém, era conhecidíssimo deles todos. Não houve polêmica. Certamente
eles ignoravam o que os pedagogos da D.E. pensavam a respeito das relações raciais
no Brasil.
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