domingo, 8 de dezembro de 2019

A estátua do imperador Constantino


Passei um mês na Europa e ainda estou procurando entender o que vivi. Andei por Roma, Paris e Lisboa, e cada cidade descortinou um universo diferente. Cada cidade um perfil (na verdade, vários perfis) e haja fôlego, paciência e inteligência para decifrá-los. Não chegarei a tanto, isto é, a distinguir as várias faces dessas cidades, mas vou tentando.

No pátio interno do Palazzo dei Conservatori (Palácio dos Conservadores, um dos dois prédios que formam os Museus Capitolinos, em Roma) encontrei a cabeça do imperador Constantino “encontrei” num pátio interno e levei um susto. A cabeça (2,5 metros), uma das mãos e outros fragmentos de uma estátua de mármore de 12 metros do imperador, construída no século IV.

Fragmentos da estátua de Constantino no Palazzo dei Conservatori.
O fundador da Cristandade “jogado” num pátio?, me perguntei. Uma reação exagerada, claro, mas justificável. Constantino foi o imperador romano que acabou de vez as perseguições e trouxe os cristãos para a órbita do Estado. O imperador percebeu que a religião cristã servia aos propósitos das reformas que vinha realizando, no sentido de centralizar a monarquia e não titubeou. O monoteísmo cristão servia como uma luva para a construção do poder absoluto no imperador (uma única divindade, um único soberano) e ele adotou essa visão de mundo.

Constantino não era um piedoso cristão e sim um estadista, o qual, diante da crise e anarquia vividas pelo Império, propôs a sua reestruturação política, administrativa, militar e também religiosa. Costumeiramente, os historiadores leem no rosto dessa estátua – nos grandes olhos, na expressão endurecida – a modulação rigorosa de um imperador que soube projetar o Império para o futuro, tendo o cristianismo como um dos seus pilares. E a Cristandade (o predomínio político-religioso da religião cristã) tem início no seu governo. Os primeiros passos da Igreja como instituição organizada e, décadas depois, seu estabelecimento como religião oficial do Estado romano.

E a famosa cabeça de Constantino, essa figura central para o mundo cristão, estava ali, no pátio do museu – aparentemente exibida sem destaque, como tanta coisa em Roma. Uma peculiaridade romana que tonteia um visitante como eu, embasbacado com a importância histórica dessa cidade e do seu acervo. Peças de valor inestimável – como a cabeça de Constantino (no pátio do Museu), o Discóbolo (no canto de uma sala do Museu do Vaticano), o “Repouso durante a fuga para o Egito”, de Caravaggio (numa simples parede do Palazzo Doria Pamphilj) – exibidas com alguma displicência, com um à vontade, que a chega a tontear.

Ao centro, "O repouso durante a fuga para o Egito", no Palazzo Doria Pamphily.
Mas isso é Roma, conclui. Uma cidade que abriga uma variedade tão grande de objetos e marcas e signos – a Roma dos imperadores, dos papas, dos Renascimento, do barroco, do neoclassicismo, do Risorgimento (para ficar apenas nas camadas que prenderam minha atenção) – que acaba não destacando apropriadamente cada uma delas e as apresentando simplesmente. Certas salas dos museus do Vaticano, dos Capitolinos, do Palácio Doria Pampihly me pareceram assim: com obras exibidas de qualquer maneira, num à vontade, uma naturalidade, que me espantou. Uma percepção exagerada da minha parte (nem sei explicar), talvez fruto da emoção com que vivi esse passeio, experimentando surpresas a cada momento.

A estátua de Constantino foi apenas a porta de entrada no acervo magnífico dos Museus Capitolinos. Uma sucessão de maravilhas, de histórias, de belezas, de deslumbramentos. Quando fui fazer um lanche no meio da tarde – um panini, um cálice de vinho – e encontrei algumas pombas sobre as mesas do restaurante, não estranhei. Elas estavam ali como a estátua de Constantino, a Vênus Capitolina, a Vênus Esquilina, e eu que convivesse – sem estardalhaço nem espanto – com a beleza e a graça que as caracterizam. Pois foi o que fiz – eu, um reles mortal, que teve sorte de cair naquele local.

Na lancheria do Palazzo dei Conservatori.

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