Arrisco dizer que o filme é melhor que o livro. Li o
livro com entusiasmo, assisti ao filme pela segunda vez e gostei ainda mais.
Uma narrativa contundente. Mas sou suspeito. A temática religiosa tem me pegado:
a busca do martírio, o embate com o silêncio de Deus – o “insondável silêncio
de Deus”, como diz um dos personagens. Temas caros na história da Cristandade.
Grandes santos procuraram o martírio – como São Francisco, Santo Antônio, Santa
Teresa de Ávila – e alguns conseguiram. Uma aspiração de muitos católicos, até
hoje. E, pairando sobre essas sensibilidades religiosas, sempre a esperança de
um sinal divino. Um sinal que nas histórias eclesiásticas geralmente se evidencia, de
um jeito ou de outro. Mas nas narrativas realistas, mais humanas – como é o
caso do romance de Shusaku Endo e do filme de Scorsese –, é o silêncio que se
impõe. E a constatação, como faz o personagem narrador do livro de Endo, que
não somos tão fortes como Jó.
O filme inicia em Lisboa, em meados do século XVII,
quando dois jovens jesuítas decidem partir para o Japão em busca de notícias
sobre seu mestre, o padre Cristóvão Ferreira, que dizem ter renegado o Catolicismo.
Os dois jovens não acreditam nisso. Por pior que tenha sido a tortura que infringiram
ao mestre, os jovens imaginam que ele resistiu.
Nessa época, o Catolicismo iniciado pelo trabalho
missionário de São Francisco Xavier não era mais aceito pelas autoridades
japonesas. Os cristãos eram perseguidos e geralmente mortos. A repressão iniciara
no final do século XVI, mas o catolicismo apenas refluiu, não desapareceu. A crucificação
de 26 católicos, em 1597, em Nagasaki, é um marco dessa perseguição que se
prolongou e se sofisticou (em técnicas de repressão e tortura) ao longo do século
seguinte.
![]() |
Cena do filme: os dois jovens missionários que buscam o padre Ferreira. |
Ao chegar ao Japão, os jovens jesuítas são
constantemente atormentados por essa conjuntura repressiva. Os portugueses não
são bem-vindos. E os missionários descobrem que padre Ferreira (interpretado
por Liam Neeson) foi confrontado com a tortura – com a possibilidade do
martírio – e recuou. Segundo a rígida norma religiosa, ele fracassou. As cenas
do padre Ferreira exposto à dor da tortura e da abjuração são um dos pontos
altos do filme. Grande interpretação do ator Liam Neeson. Cenas dolorosamente
humanas. Narrativa muito distante do tradicional padrão de história religiosa, que costuma representar o martírio como algo glorioso. No filme de Scorsese
isso não acontece. Ao contrário.
Nem por isso o filme é menos religioso. A cena final
que o diga. Diante do brutal silêncio de Deus – ou insondável, como diz um
personagem –, diante da brutalidade dos homens também, se contrapõe a esperança
humana. Frágil e tortuosa esperança, no caso. Humana esperança – muito distante
daquela corajosa postura do bíblico personagem Jó, que não fraquejou um só
momento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário