quinta-feira, 19 de julho de 2018

"Silêncio", de Scorsese

Foi um dos melhores filmes que assisti ultimamente: “Silêncio”, de Martin Scorsese, baseado no romance japonês de mesmo nome, de Shusaku Endo. 
Arrisco dizer que o filme é melhor que o livro. Li o livro com entusiasmo, assisti ao filme pela segunda vez e gostei ainda mais. Uma narrativa contundente. Mas sou suspeito. A temática religiosa tem me pegado: a busca do martírio, o embate com o silêncio de Deus – o “insondável silêncio de Deus”, como diz um dos personagens. Temas caros na história da Cristandade. Grandes santos procuraram o martírio – como São Francisco, Santo Antônio, Santa Teresa de Ávila – e alguns conseguiram. Uma aspiração de muitos católicos, até hoje. E, pairando sobre essas sensibilidades religiosas, sempre a esperança de um sinal divino. Um sinal que nas histórias eclesiásticas geralmente se evidencia, de um jeito ou de outro. Mas nas narrativas realistas, mais humanas – como é o caso do romance de Shusaku Endo e do filme de Scorsese –, é o silêncio que se impõe. E a constatação, como faz o personagem narrador do livro de Endo, que não somos tão fortes como Jó.

O filme inicia em Lisboa, em meados do século XVII, quando dois jovens jesuítas decidem partir para o Japão em busca de notícias sobre seu mestre, o padre Cristóvão Ferreira, que dizem ter renegado o Catolicismo. Os dois jovens não acreditam nisso. Por pior que tenha sido a tortura que infringiram ao mestre, os jovens imaginam que ele resistiu.

Nessa época, o Catolicismo iniciado pelo trabalho missionário de São Francisco Xavier não era mais aceito pelas autoridades japonesas. Os cristãos eram perseguidos e geralmente mortos. A repressão iniciara no final do século XVI, mas o catolicismo apenas refluiu, não desapareceu. A crucificação de 26 católicos, em 1597, em Nagasaki, é um marco dessa perseguição que se prolongou e se sofisticou (em técnicas de repressão e tortura) ao longo do século seguinte.

Cena do filme: os dois jovens missionários que buscam o padre Ferreira.
Ao chegar ao Japão, os jovens jesuítas são constantemente atormentados por essa conjuntura repressiva. Os portugueses não são bem-vindos. E os missionários descobrem que padre Ferreira (interpretado por Liam Neeson) foi confrontado com a tortura – com a possibilidade do martírio – e recuou. Segundo a rígida norma religiosa, ele fracassou. As cenas do padre Ferreira exposto à dor da tortura e da abjuração são um dos pontos altos do filme. Grande interpretação do ator Liam Neeson. Cenas dolorosamente humanas. Narrativa muito distante do tradicional padrão de história religiosa, que costuma representar o martírio como algo glorioso. No filme de Scorsese isso não acontece. Ao contrário.
Nem por isso o filme é menos religioso. A cena final que o diga. Diante do brutal silêncio de Deus – ou insondável, como diz um personagem –, diante da brutalidade dos homens também, se contrapõe a esperança humana. Frágil e tortuosa esperança, no caso. Humana esperança – muito distante daquela corajosa postura do bíblico personagem Jó, que não fraquejou um só momento.

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