sexta-feira, 20 de abril de 2018

Calça rasgada


Há tempos estou para escrever sobre essa moda das calças rasgadas. Isto é, a respeito desse modismo que era uma característica do vestuário da juventude rebelde dos anos 80 e que, de repente, entrou no circuito das butiques sofisticadas, nas revistas de moda, na indumentária das cantoras de sertanejo e por aí afora. O costume de rasgar as calças parece vir da cultura punk, que se esmerou em estetizar um visual contestador – no corte e na cor dos cabelos, no vestuário – e lá pelas tantas a coisa transbordou desse nicho e ganhou um público mais amplo, indiferente à contestação política.

No ano passado, viajando de trem na Itália, uma colega que trabalha com moda me explicou, simplesmente, que “irreverência vende”.

– O público feminino adora – ela acentuou. A moça é funcionária de uma indústria têxtil paulista (na região de Americana) e costumeiramente viaja a Milão e Turim para conferir as tendências do vestuário.

– A Itália é referência no mundo da moda – ela disse. E me contou que, entre outras coisas, o seu trabalho consistia em circular pelas lojas, pelos departamentos de roupa feminina, e observar o que as mulheres gostam, anotar as suas preferências. E calça rasgada está entre os itens.

Ainda insisti na pergunta sobre o perfil do público feminino, se eram mulheres que queriam encenar no próprio corpo, na vestimenta, a contestação da ordem dos costumes, da ordem social e ela franziu a testa.

– Irreverência – ela frisou. E voltou a repetir que era isso que as mulheres querem comprar. Ela repassava seu relatório para os figurinistas da fábrica onde trabalhava, no estado de São Paulo, os caras seguiam a orientação – as tendências  apontadas – e a coisa vingava, isto é, vendia.

Eu devo ter feito alguma cara feia, cara de quem não entendeu, e a conversa não rendeu mais. Uma pena. Na certa a moça viu que eu não entendo de gostos e preferências femininos, e descurtiu. Nós éramos colegas numa escola de língua italiana para estrangeiros, tínhamos terminado o curso e viajávamos na região de Marche. Eu ia a Macerata para visitar o Museu Buonaccorsi, ela seguia um mais adiante para pegar um voo para Milão.

Há tempo estou para escrever sobre essa moda das calças rasgadas. A coisa me intriga. Em Siena, fotografei a vitrina de uma butique (foto abaixo) e lá estava um manequim com calças rasgadas. A confirmação do que disse a minha colega: em Milão, em Siena, em São Paulo e em tantas outras cidades do Brasil e do mundo, tudo a mesma coisa: a irreverência vende.


Mas tem que ser conjugada com um sapato de grife, um cinto idem, uma blusa de seda, coisas assim, me explicou – didaticamente – uma amiga, insistindo para que eu largasse de mão a implicância com esse modismo.

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