Visconde de Taunay (Alfredo d’Escragnolle de
Taunay) foi um aristocrata brasileiro, militar, político e escritor, nascido no
Rio de Janeiro, em 1843, e falecido na mesma cidade, em 1899. Neto de um dos
principais pintores da Missão Artística francesa de 1818, foi criado em
ambiente muito culto e destacou-se pelo seu refinamento nas artes. Militar,
participou da Guerra do Paraguai e deixou relatos famosos a respeito dos
episódios em que se envolveu. Fazia parte do repertório de autores/historiadores
que comecei a ler na juventude, mas, naquela época, não li do início ao fim o
seu clássico A retirada da Laguna, muito complicado para o leitor de 15
anos que eu era. Descrição de operações militares não são fáceis de
compreender.
Pois durante a última Feira do Livro de Porto Alegre,
passei pelo estande do Senado Federal, encontrei um volume do famoso Visconde e
me veio à lembrança o adolescente que fui, com a cabeça enfiada em livros sobre
campanhas militares: a Guerra da Cisplatina, os embates com Rosas, a Guerra do
Paraguai.
O livro que me chamou atenção foi Recordações de
guerra e de viagem, de Taunay, e trouxe para casa. Tive que ler para pagar
a conta das minhas pretensões juvenis: a de entender o mundo militar, o
assombroso universo das guerras.
| TAUNAY, Visconde de. Recordações de guerra e de viagem. Brasília: Senado Federa, 2008. 174 p. |
O livro é composto de duas partes: a primeira, com
as reminiscências do autor da Campanha da Cordilheira (a última operação militar
na Guerra do Paraguai) e, a segunda, constituída por crônicas feitas durante uma
longa viagem pela Europa. Um aristocrata brasileiro refinado descrevendo com
elegância tanto a fase final de uma brutal guerra sul-americana quanto as suas
andanças pelos espaços da cultura (galerias de arte) e da inovação industrial (Exposição
Universal de Paris) na Europa de 1878 e 79. O horror da guerra e os requintes
da Civilização Ocidental.
Desta vez li um relato militar de Taunay do início
ao fim (paguei a conta que abri quando adolescente), mas recomendo apenas para
aficcionados em História. É uma memória bem escrita, mas um pouco chata quanto
ao registro militar, deslocamento de tropas e batalhas. Trata-se da fase mais sombria
da Guerra do Paraguai (a caçada ao ditador Solano Lopez), quando o inimigo
estava destroçado, tanto a população civil quanto o efetivo militar (os civis reduzidos
“ao último grão da miséria” e as tropas compostas em grande número por adolescentes,
devido à diminuição do número de homens adultos). Quanto à segunda parte, o
registro do deslumbramento de um homem de cultura em relação as maravilhas
europeias, em especial a sua produção artística. Assuntos que só agradam a
estudantes e professores de História e olhe lá.
Em 1869, o Conde d’Eu foi nomeado pelo imperador
para encerrar o conflito com o Paraguai (ir atrás de Solano Lopez) e o conde
convidou Taunay para ser seu secretário particular. São dessa campanha as
reminiscências narradas no livro, 26 anos depois. Em 1878-79, o autor viajou
pela França, Alemanha e Itália e de lá enviou para um jornal brasileiro crônicas
a respeito dos seus passeios e divagações culturais. A guerra e a arte numa
composição muito original.
Na Campanha da Cordilheira, o autor se comoveu com
os meninos que viu mortos no campo de batalha por bala e lança. Um dia, após a
tomada de uma vila, é encontrado numa casa um piano “bastante bom e afinado” e o
autor se põe a tocar durante mais de duas horas. Havia um cadáver paraguaio na
sala e ele manda retirá-lo para não empestar o seu momento de distração.
Como sempre teve um interesse especial por pintura,
comenta o episódio que inspirou Pedro Américo para compor o seu quadro A
batalha de Campo Grande: o momento em que o Conde d’Eu é surpreendido pelo
ataque de um batalhão paraguaio e investe contra o inimigo montado no seu
cavalo branco com a espada desembainhada. No quadro, a investida do conde é
arrojada, expressa tanto no seu porte imponente quanto no corpo do cavalo
empinado. O autor comenta, no entanto, que o animal era manso, “calmo no meio
do fogo [das balas]” e não se empinaria da maneira como o pintor o representou.
“Enfim exagerações do artista”, conclui Taunay.
Nas crônicas a respeito da sua viagem à Europa chama
atenção o seu encantamento com a pintura: a produção dos artistas festejados
nos salões de arte oficial de Paris (como J.G. Vilbert, com Apotheose de
Thiers) e a dos renascentistas (vistos como fundadores da civilização
moderna). Rafael é seu pintor predileto e ele vai à Dresden apreciar a famosa Madona
de São Xisto, a qual descreve como “de uma beleza imensa, puríssima,
etérea, toda ideal”. Seu entendimento de arte privilegiava a representação do
Ideal, “a maior aspiração humana”, e ele vê na pintura de Rafael a maior concretização
desse projeto.[1]
Um dia é convidado a um baile no Palácio de
Versailles, um evento com cerca de vinte mil convidados, e vai com mais quatro
companheiros. O palácio está transformado num “aperto (...) [de] proporções
assustadoras” e a festa vira um suplício. Quando, enfim, chega à Sala dos
Espelhos, onde acontecia a dança, o local estava tão cheio “que os valsistas
giravam no mesmo lugar” e não dava para ficar. Ele e os amigos desistem do
baile e voltam para o hotel arrependidos de terem aceito o convite.
O registro de uma vida que circulou por realidades
contrastantes da nossa civilização: tanto os horrores de uma campanha militar
quanto os requintes de uma exposição de arte na “capital artística do universo”
(Paris). A morte de meninos no campo de batalha e o prazer de apreciar a arte
acadêmica do século XIX e também as pinturas que marcaram a fundação da nossa
civilização, as “criações puras” de Giotto e Rafael.
Uma leitura instigante, que me colocou diante do
adolescente que eu fui, que se iniciou na leitura da História a partir dos
registros de guerra, uma realidade que o Visconde de Taunay conhecia muito bem.
A única nota triste da edição lida é a revisão. Péssima.
Incrível a editora do Senado Federal não investir nesse trabalho tão
importante.
[1] Curiosamente,
ao comentar a forma idealizada como Pedro Américo representou a disposição
guerreira do Conde d’Eu, na Batalha de Campo Grande, o mesmo
procedimento artístico lhe pareceu inadequado, exagerado.
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