quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Visconde de Taunay

 

Visconde de Taunay (Alfredo d’Escragnolle de Taunay) foi um aristocrata brasileiro, militar, político e escritor, nascido no Rio de Janeiro, em 1843, e falecido na mesma cidade, em 1899. Neto de um dos principais pintores da Missão Artística francesa de 1818, foi criado em ambiente muito culto e destacou-se pelo seu refinamento nas artes. Militar, participou da Guerra do Paraguai e deixou relatos famosos a respeito dos episódios em que se envolveu. Fazia parte do repertório de autores/historiadores que comecei a ler na juventude, mas, naquela época, não li do início ao fim o seu clássico A retirada da Laguna, muito complicado para o leitor de 15 anos que eu era. Descrição de operações militares não são fáceis de compreender.

Pois durante a última Feira do Livro de Porto Alegre, passei pelo estande do Senado Federal, encontrei um volume do famoso Visconde e me veio à lembrança o adolescente que fui, com a cabeça enfiada em livros sobre campanhas militares: a Guerra da Cisplatina, os embates com Rosas, a Guerra do Paraguai.

O livro que me chamou atenção foi Recordações de guerra e de viagem, de Taunay, e trouxe para casa. Tive que ler para pagar a conta das minhas pretensões juvenis: a de entender o mundo militar, o assombroso universo das guerras.

TAUNAY, Visconde de. Recordações de guerra e de viagem.
Brasília: Senado Federa, 2008. 174 p.

O livro é composto de duas partes: a primeira, com as reminiscências do autor da Campanha da Cordilheira (a última operação militar na Guerra do Paraguai) e, a segunda, constituída por crônicas feitas durante uma longa viagem pela Europa. Um aristocrata brasileiro refinado descrevendo com elegância tanto a fase final de uma brutal guerra sul-americana quanto as suas andanças pelos espaços da cultura (galerias de arte) e da inovação industrial (Exposição Universal de Paris) na Europa de 1878 e 79. O horror da guerra e os requintes da Civilização Ocidental.

Desta vez li um relato militar de Taunay do início ao fim (paguei a conta que abri quando adolescente), mas recomendo apenas para aficcionados em História. É uma memória bem escrita, mas um pouco chata quanto ao registro militar, deslocamento de tropas e batalhas. Trata-se da fase mais sombria da Guerra do Paraguai (a caçada ao ditador Solano Lopez), quando o inimigo estava destroçado, tanto a população civil quanto o efetivo militar (os civis reduzidos “ao último grão da miséria” e as tropas compostas em grande número por adolescentes, devido à diminuição do número de homens adultos). Quanto à segunda parte, o registro do deslumbramento de um homem de cultura em relação as maravilhas europeias, em especial a sua produção artística. Assuntos que só agradam a estudantes e professores de História e olhe lá.

Em 1869, o Conde d’Eu foi nomeado pelo imperador para encerrar o conflito com o Paraguai (ir atrás de Solano Lopez) e o conde convidou Taunay para ser seu secretário particular. São dessa campanha as reminiscências narradas no livro, 26 anos depois. Em 1878-79, o autor viajou pela França, Alemanha e Itália e de lá enviou para um jornal brasileiro crônicas a respeito dos seus passeios e divagações culturais. A guerra e a arte numa composição muito original.

Na Campanha da Cordilheira, o autor se comoveu com os meninos que viu mortos no campo de batalha por bala e lança. Um dia, após a tomada de uma vila, é encontrado numa casa um piano “bastante bom e afinado” e o autor se põe a tocar durante mais de duas horas. Havia um cadáver paraguaio na sala e ele manda retirá-lo para não empestar o seu momento de distração.

Como sempre teve um interesse especial por pintura, comenta o episódio que inspirou Pedro Américo para compor o seu quadro A batalha de Campo Grande: o momento em que o Conde d’Eu é surpreendido pelo ataque de um batalhão paraguaio e investe contra o inimigo montado no seu cavalo branco com a espada desembainhada. No quadro, a investida do conde é arrojada, expressa tanto no seu porte imponente quanto no corpo do cavalo empinado. O autor comenta, no entanto, que o animal era manso, “calmo no meio do fogo [das balas]” e não se empinaria da maneira como o pintor o representou. “Enfim exagerações do artista”, conclui Taunay.

Nas crônicas a respeito da sua viagem à Europa chama atenção o seu encantamento com a pintura: a produção dos artistas festejados nos salões de arte oficial de Paris (como J.G. Vilbert, com Apotheose de Thiers) e a dos renascentistas (vistos como fundadores da civilização moderna). Rafael é seu pintor predileto e ele vai à Dresden apreciar a famosa Madona de São Xisto, a qual descreve como “de uma beleza imensa, puríssima, etérea, toda ideal”. Seu entendimento de arte privilegiava a representação do Ideal, “a maior aspiração humana”, e ele vê na pintura de Rafael a maior concretização desse projeto.[1]

Um dia é convidado a um baile no Palácio de Versailles, um evento com cerca de vinte mil convidados, e vai com mais quatro companheiros. O palácio está transformado num “aperto (...) [de] proporções assustadoras” e a festa vira um suplício. Quando, enfim, chega à Sala dos Espelhos, onde acontecia a dança, o local estava tão cheio “que os valsistas giravam no mesmo lugar” e não dava para ficar. Ele e os amigos desistem do baile e voltam para o hotel arrependidos de terem aceito o convite.

O registro de uma vida que circulou por realidades contrastantes da nossa civilização: tanto os horrores de uma campanha militar quanto os requintes de uma exposição de arte na “capital artística do universo” (Paris). A morte de meninos no campo de batalha e o prazer de apreciar a arte acadêmica do século XIX e também as pinturas que marcaram a fundação da nossa civilização, as “criações puras” de Giotto e Rafael.

Uma leitura instigante, que me colocou diante do adolescente que eu fui, que se iniciou na leitura da História a partir dos registros de guerra, uma realidade que o Visconde de Taunay conhecia muito bem.

A única nota triste da edição lida é a revisão. Péssima. Incrível a editora do Senado Federal não investir nesse trabalho tão importante.



[1] Curiosamente, ao comentar a forma idealizada como Pedro Américo representou a disposição guerreira do Conde d’Eu, na Batalha de Campo Grande, o mesmo procedimento artístico lhe pareceu inadequado, exagerado.

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