terça-feira, 2 de setembro de 2025

Golpistas no banco dos réus

 

Bolsonaro nunca escondeu a sua inclinação autoritária. Quando ele era um simples deputado federal, medíocre quanto ao seu desempenho na Câmara Federal, mas incisivo na sua apologia ao Regime Militar e à repressão da esquerda em geral, eu o citava nas aulas de História da América Latina como uma excrescência do período das ditaduras dos anos 1960, 70 e 80. Entendia que era irreversível o processo de adesão (ou pelo menos de aceitação) das Forças Armadas latino-americanas em relação à democracia liberal (e nisso incluído o jogo eleitoral, a posse do candidato eleito, fosse ele quem fosse) e via Bolsonaro como um tipo folclórico, a sombra de um passado tenebroso que jamais retornaria.

Como me enganei. Não entendia, por exemplo, que a grande maioria das Forças Armadas brasileiras não via problema na tortura e tomou como um ultraje as investigações da Comissão da Verdade nomeando os torturadores do Regime Militar, executores de uma prática fundamental no combate às oposições, em especial a esquerda armada. Não sabia que os militares ainda consideravam os mecanismos da tortura como arma legítima para o enfrentamento dos inimigos e a sala de tortura como uma espécie de campo de batalha no qual o inimigo pode ser combatido. Não entendia que as técnicas bárbaras de repressão continuavam no horizonte das Forças Armadas brasileiras.

Foi uma surpresa, então, quando os militares construíram a candidatura Bolsonaro, a excrescência autoritária. Fato que se evidenciou para mim com os tuítes do general Villas Bôas em abril de 2018.

Mas dizer que “se evidenciou" é um exagero. Passei a desconfiar. Eu não conseguia acreditar que os militares estavam almejando retornar ao núcleo do poder.

Seja como for, a partir daí, mudou minha percepção da cena política e me assustei. Assisti a extrema-direita exercitar as suas técnicas de militância nas redes sociais (que capacidade de atormentar um adversário!) e fiquei com medo. Exagerando, achei que a coisa um dia podia sobrar pra mim.

Às vésperas do 7 de setembro de 2021, quando escutei meus vizinhos comentarem “é agora, vamos calar o STF”, arrepiei. Os caras estão pensando em insurreição, pensei, o Estado burguês não dá conta das suas demandas, eles querem mais. Mas sempre achando que estava incorrendo em fantasia. Ora, o neofascismo se consolidando na Presidência da República! Até quando surgiram os acampamentos na frente dos quartéis, pedindo intervenção militar para impedir o Lula tomar posse, após a derrota eleitoral de Bolsonaro em outubro de 2022, desconfiei que a coisa não era pra valer. Será que regrediremos a 1964? Não pode.

Vi meus vizinhos irem bater o ponto no acampamento na frente do quartel da 6ª Brigada de Infantaria Blindada (na avenida Borges de Medeiros, em Santa Maria – cidade onde, então, eu morava) e fui lá duas vezes com a máquina fotográfica para registrar o evento. Levei a máquina dentro da mochila, mas não tive coragem de usá-la. Achei que os manifestantes podiam me identificar como petralha e virem pra cima de mim. Não quis encarar. Uma pena, pois esse registro faz falta.

6ª Brigada de Infantaria Blindada (antigo 7º RI). Era nesse gramado,
à direita, que estava o acampamento bolsonarista pedindo intervenção militar.
Fonte: Brenner Santa Maria (2013).
 

Relembro tudo isso agora porque, enquanto escrevo, a tropa de choque dessa trama golpista está no banco dos réus e tudo indica que será condenada: os oito líderes da tentativa golpista: o ex-presidente, cinco oficiais altamente graduados (um da Marinha, quatro do Exército), mais dois civis, sendo um deles ex-diretor da ABIN. Pela primeira vez na história da República, militares golpistas com chances de seres presos. Um fato inédito "nunca antes visto na história brasileira".

Mesmo que venham a ser anistiado daqui a alguns anos - como sempre foram ao longo da República - é um fato a se comemorar. Quem preza o jogo democrático liberal tem diante de si um fato inédito. O Estado democrático burguês resiste ao ataque fascista.