Dias
atrás assisti a um documentário francês chamado “A reinvenção da China” (2023,
110 min.), que encontrei disponível no Canal Curta!, e recordei a conversa
cumprida que se faz desde o final da década de 1970 a respeito das reformas que transformaram o socialismo chinês (propostas pelo grupo dirigente que sucedeu a Mao Tsé-Tung). Eu comecei
a lecionar História nessa época (1978) e me esforcei para compreender as
mudanças. O assunto fazia parte do programa de algumas disciplinas e era um desafio tremendo. Faltavam informações, bibliografia, e uma das
melhores coisas que li e utilizei em sala de aula foi o livro “Henfil na China
– antes da Coca-Cola” (Ed. Codecri, 1980), a descrição da viagem do cartunista
Henfil pelo país comunista. Meu repertório de professor de escola era
certamente muito restrito.
A
mudança da economia chinesa para o “socialismo de mercado” (o termo não é dos
melhores, mas é o usual) foi acompanhada pelo ressurgimento de uma burguesia
(essencial para o estabelecimento e crescimento de empresas privadas,
consideradas imprescindíveis para o desenvolvimento nacional pelo Partido
Comunista Chinês) e, desta maneira, apareceu um número considerável de novos
ricos, muitos deles chegando à condição de milionários. Em 2021, o HSBC
Consulting apontava um número de quase dois milhões de milionários chineses
(com patrimônio líquido de até 1,5 milhão de dólares) e previa a duplicação
desse número até 2025. Algo inimaginável na cabeça do professor de 1º e 2º
graus que eu fui ao longo dos anos 80.
Em
2019, quando estive em Paris, visitei as Galerias Lafayette, vi umas mulheres
orientais com malas de rodinha desfilando e me disseram: “São milionárias
chinesas fazendo compras. Elas adquirem tanta coisa que é mais cômodo andar com
uma mala do que carregar uma infinidade de sacolas.” Vi uma oriental acomodando
uma mala num degrau de uma escada rolante (ela no degrau logo atrás), observei
outra candidamente parada ao lado da sua mala numa pequena fila, na frente de
um departamento de grife de luxo... e cheguei a imaginar que seria um bom
exemplo para utilizar na sala de aula. “Olhem o que proporcionou o socialismo
chinês”, eu poderia dizer. Isto se eu ainda tivesse sala de aula, pois estou
aposentado desde 2016.
Nas
Galerias Lafayette eu era um mero turista, acompanhando um grupo de professoras
e alunas dos cursos de Design e História (da UFN, de Santa Maria) numa excursão
cultural voltada para a arte e a moda. O grupo se propunha percorrer uma fatia
elegante do mundo parisiense e faziam parte do roteiro o Museu Yves Saint
Laurent, a Fundação Louis Vuitton, o Louvre, o Museu d’Orsay e o Palácio de
Versalhes. As Galerias me foram apresentadas como um point importante do
universo da moda, cenário de lançamentos de tendências que se difundem pelo
planeta todo.
Visitantes apreciando o espaço criado pela a cúpula em estilo Art Nouveau no principal edifício das Galerias Lafayette. |
Uma
professora me mostrou o valor de algumas peças de vestuário que estavam à venda
– “As mais baratas”, ela disse – e eu vi que aquele era um mundo inacessível
para os reles mortais. Como a maioria dos visitantes, fiquei restringido a
apreciar a cúpula em estilo Art Nouveau que está no edifício principal das
Galerias e também a vista deslumbrante da cidade que o terraço do prédio oferece:
a Ópera Garnier logo em frente, a Torre Eiffel mais adiante, a igreja de
Montmartre lá longe.
Paris vista do terraço das Galerias Lafayete: a Ópera Garnier à esquerda, a Torre Eiffel à direita, lá longe. |
Dias
depois voltei para almoçar num dos pequenos restaurantes que se encontram nos
corredores das Galerias e, sentado diante de uma mesa (tendo uma deliciosa e
diminuta refeição na frente), ouvi a professora de História que eu acompanhava
dizer que nunca vira tanta gente com roupas de grife por metro quadrado.
Avistamos mais algumas orientais (nenhuma delas com malas de rodinhas, apenas sacolas)
e foram essas figuras que lembrei assistindo ao documentário.
Provavelmente
eram aquelas milionárias comunistas as que mais se divertiam naquele
“shopping”. Elas se abasteciam de produtos das marcas Chanel, Dior e Louis
Vuitton, graças a política traçada pelo Partido Comunista Chinês e, apesar de
extremamente discretas e nada sorridentes, me pareciam que riam desbragadamente.
Afinal, não fosse a reinvenção chinesa do velho comunismo soviético (aquele que a revolução liderada por Mao Tsé-Tung implementara), elas não
estariam ali. Quem sabe até nem fossem genuinamente comunistas (muitos milionários
chineses têm fugido do país nos últimos anos), mas foi o PCC que possibilitou o seu enriquecimento. Uma aula que o professor de História que eu fui teria muita dificuldade em ministrar.
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