A casa-grande da Charqueada São João não tinha o formato retangular, com pátio interno, que possui atualmente. Quando foi construída, em 1810, a casa formava uma espécie de C, com o pátio interno aberto, e só mais tarde (ainda no século XIX) foram feitas as ampliações que cercaram essa área aberta, um local que (não sei por qual motivo) me provoca uma sensação muito boa.
| Pátio interno da Charqueada S. João. |
É sempre com prazer que adentro esse pátio e a mesma
emoção se repetiu duas semanas atrás, quando lá estive. Vá entender.
Segundo Rosa Maria Moura e Andrey Schlee, há três motivos
que fazem da Charqueada São João um lugar especial: o fato de ser erguida por
Antônio José Gonçalves Chaves, ter hospedado Auguste de Saint-Hilaire (em 1820)
e ser “o mais belo e íntegro dos exemplares da arquitetura do ciclo do charque”.[i] Não
é pouca coisa. Nos últimos anos, com o fato da Rede Globo ambientar algumas das
suas produções no local – a minissérie A Casa das Sete Mulheres (2003) e
uma versão cinematográfica da obra-prima de Érico Veríssimo, O Tempo e o
Vento (2013) –, a charqueada parece que mudou de status. Está
diferente. É muito mais que um exemplar da arquitetura do charque. É um emblema
da história gaúcha, cenário de suas sagas.
A visita guiada inicia com um vídeo, no qual ganha destaque
as produções globais e seus atores famosos, dos quais Tarcísio Meira (que
interpretou o Capitão Rodrigues em antiga minissérie da Globo, na década de
1980) é superado por Thiago Lacerda, o Cap. Rodrigo da última versão
cinematográfica de O Tempo e o Vento, da década de 2010.
Conversando com meus colegas de viagem, cheguei a citar
Tarcísio Meira, eles estranharam minha referência e, por momentos, me senti velho,
extremamente velho. Demorei a lembrar que há uma versão mais recente do épico
de Érico Veríssimo... que assisti no cinema, mas esqueci.
O filme Concerto Campestre (2004) também entra
no repertório utilizado para narrar a história das charqueadas pelotenses e o
vídeo de apresentação se utiliza de cenas que recriam (com bastante realismo) a
produção do charque, no século XIX, com mão-de-obra escrava e tudo mais.[ii]
No livro que dá origem ao filme a estância onde se passa a história se localiza
“a margem direita do rio Santa Maria” (localizado na Campanha, entre Livramento
e São Gabriel) e me causou surpresa a ambientação em paisagem pelotense. É na “vastidão
deserta do pampa” que se dá o romance entre a bela Clara Vitória e o Maestro, mas
foi o próprio autor quem fez o roteiro e devo concordar que ficou impactante
(brutal, a última cena, lindíssima).[iii]
As formas de narrar e relembrar o passado pelotense
vão mudando conforme o “andar das carretas” e isso é um fenômeno interessante de
acompanhar. Um historiador local (José Antônio Mazza Leite) me disse, poucos
anos atrás, que o filme Concerto Campestre despertou a atenção dos
pelotenses em relação ao passado da cidade e dinamizou as atividades do Museu
do Charque. Os filmes e séries de TV (com maior alcance de público do que os
livros) têm tematizado a história gaúcha e isso é muito bom (se bem que às
vezes me desconcerta). Um público maior se vê envolvido pelas tramas que
formaram a sociedade sul-rio-grandense, demanda mais informação a respeito e é
isso que assistimos na Charqueada São João.
| Charqueada S. João: espaço entre a casa-grande e a senzala. |
O local se faz um espaço de memória que vai além da
história da casa de um charqueador e o vídeo apresentado aos visitantes
concretiza isso. Para um professor de História como eu, uma experiência e
tanto. Quando a guia da Charqueada conduziu o meu grupo até a sala onde os
peões que vinham de longe faziam as refeições, senti vontade de me sentar ao
redor da mesa para ouvir as explicações. Mas é proibido se sentar e escutei de
pé a guia falar a respeito dos cuidados que eram tomados para que os rudes peões
(quem sabe os estabanados visitantes também) não tivessem contato com as moças
da casa (nem danificassem os móveis e objetos que ali estão para relembrar o
passado gaudério).
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