sexta-feira, 1 de abril de 2022

Palácio Nacional de Mafra

            Quando li Memorial do Convento, de José Saramago, era por volta de 1990 e o autor estava em alta. Eu cursava o Mestrado em Letras, na PUC de Porto Alegre, e o romance se encontrava entre as leituras obrigatórias. Fiquei fascinado pelo autor.

Naquela época, meu conhecimento a respeito de D. João V (um dos personagens do livro) era bastante raso. Apenas sabia que D. João fora o rei do Império Lusitano no período auge da mineração brasileira, nada sabia das suas extravagâncias e tomei conhecimento de disso ao logo da leitura.

Na primeira cena, o rei se dirige ao quarto da rainha para cumprir o seu “dever real” (emprenhar D. Maria Ana Josefa) e encontra um frade no caminho. A rainha chegara há dois anos da Áustria, ainda não engravidara e já se comentava que ela tinha a “madre seca”. Um frade promete que ela engravidará se D. João construir um convento para os franciscanos na Vila de Mafra e o soberano não titubeia: antes de cumprir os deveres conjugais daquela noite, declara que dará início às obras, se dentro de um ano nascer um herdeiro.

Pronto, estava dado o ponto de partida para a construção do que hoje se chama o Palácio Nacional de Mafra. A primeira pedra, colocada em 1717. Uma obra monumental, paga pelo ouro e diamantes do Brasil, uma espécie de Palácio de Versalhes austero. Na verdade, uma construção que adota “o modelo barroco classicizante inspirado na Roma Papal”, segundo o folder distribuído aos visitantes.

Entrada da Basílica do Palácio de Mafra.

Quando fui a Mafra, em 2019, minha máquina fotográfica de amador não deu conta de registrar a extensa fachada do palácio, isto é, a grandiosa basílica, eixo central da edificação, mais os dois enormes torreões que a ladeiam. Uma construção que “integra um Paço Real, uma Basílica, um Convento e uma Tapada”. A Tapada, uma extensa área para lazer e caça da Corte, inicialmente com 1.200 hectares cercada por muros, com veados, javalis e raposas[i]. Reis e rainhas gostavam muito de caçar.

O palácio é pouco visitado (se compararmos com outros palácios europeus) e algumas vezes me encontrei sozinho em uma e outra sala – como no quarto de D. Manuel Desventurado (o último rei de Portugal). Fiquei lendo as legendas expostas no quarto, narrando os últimos momentos que o rei passou por ali (de 4 a 5 de outubro de 1910), após ter sido destituído do trono e antes de partir para o exílio. Li, me emocionei com o desventuras de D. Manuel e, quando dei por mim, estava só no austero quarto de dormir de El-Rei.

A sala de caça também me impactou e, olhando as dezenas de cabeças de animais empalhados (os javalis e veados da Tapada, certamente), senti que eles eram sinais de como aqueles tempos da monarquia eram primitivos. Um período em que a caça era um prazer aristocrático inquestionável e em que D. Maria I, moradora do Palácio e boa atiradora, deve ter contribuído muito na morte de muitos daqueles animais.

Sala da caça.

 Mas o mais impressionante, sem dúvida, foi parar diante da enorme Biblioteca Monástico-Real, um corredor de 85 metros, com 9,5 m de largura, e paredes forradas de estantes, com 36 mil obras encadernadas. Algumas expostas em vitrines (Bíblias, livros impressos dos séculos XV, XVI e XVII), na antecâmara da biblioteca. No entanto não é permitido adentrar no corredor e bisbilhotar as estantes. Uma corda marca o limite para o passeio dos visitantes e os funcionários estão ali, atentos.

Biblioteca.

Ao lado de uma entrada da biblioteca, se vê algumas caixas de vidro com morcegos mortos e demorei a entender o que era aquilo. Eram exemplares dos chamados “guardiões”, os morcegos que devoram as centenas e milhares de traças que ameaçam os livros e que, até hoje, são a grande garantia da permanência do acervo.

 

No início dessa crônica, disse que, lendo Memorial do Convento, tomei conhecimento das extravagâncias de D. João V. Que nada, apenas um pálido conhecimento. Impossível ter uma ideia clara do que o homem gastava – do que gastou com aquele palácio e basílica, em Mafra, mais as amantes, entre elas a Madre Paula, do Convento de Odivelas, que presenteou com uma banheira de prata.



[i] Incialmente com 1.200 hectares, hoje com pouco mais de 800 hectares.

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