sábado, 14 de setembro de 2019

Visita ao campus


Fui ao campus da UFSM dias atrás (precisava de um documento do setor de pagamentos, na Reitoria) e escrevo para registrar essa visita. As universidades federais passam por cortes de verbas bastante rigorosos e foi nisso que pensei o tempo inteiro. Na Reitoria, fui atendido por um rapaz que desconfiei fosse um estudante bolsista e perguntei a respeito. Ele respondeu que sim e acrescentou que cursava Tecnologia de Alimentos.  

Depois que me atendeu, conversamos a respeito da universidade e ele disse que os laboratórios do curso já estão com o funcionamento prejudicado por conta dos cortes orçamentários. Falou sem indignação e imaginei que as precariedades do sistema educacional brasileiro não abatem o seu ânimo. Está calejado ou (hipótese mais provável) está muito satisfeito com a sua condição de aluno de um curso que entende que o prepara para um futuro promissor. Falou da indústria de alimentação em crescimento, da necessidade de profissionais qualificados e deu a entender que se imagina um desses profissionais.

Um rapaz otimista, um rapaz preparado para a dureza do mundo, pensei, que talvez o governo – com o seu projeto de desmantelamento da universidade pública como a conhecemos – não consiga esmorecer.

Mas isso não acontece com todos. O custo humano da política governamental – suspendendo concessão de novas bolsas para alunos de pós-graduação, por exemplo – já se faz sentir, ceifando projetos e sonhos. Semanas atrás, soube de uma estudante que foi classificada em um programa de mestrado, iniciou o curso, contava com a concessão da bolsa devido à sua pontuação, mas foi informada que novas bolsas não serão concedidas.

Conheço essa situação muito bem, vivi algo parecido em 1990, com o Governo Collor. Ingressara no Mestrado em Letras, na PUC/RS, e também as bolsas foram suspensas. Cheguei a cursar as disciplinas dois meses, entusiasmadíssimo, mas logo a coordenação avisou que o Governo cortara as bolsas, recebi os boletos das mensalidades e cai fora.

Felizmente, nesse meu caso, a situação foi concertada um ano e meio depois. A coordenadora me chamou (sua secretária me ligou – telefonema inesquecível), o curso voltara a ter bolsas de estudo e retornei à sala de aula. Em dois anos conclui as disciplinas, realizei a pesquisa e defendi a dissertação. Um passo fundamental na minha trajetória profissional e também pessoal.

Hoje, não imagino o que possa acontecer com os estudantes que passam por situação semelhante, isto é, que vivem na carne a suspensão das bolsas e o aniquilamento de projetos arduamente construídos. Não sei qual será o desdobramento dessa política agressiva do Governo Bolsonaro em relação às universidades federais. É certo que a nova orientação econômica – excessivamente neoliberal – não tem interesse algum na expansão do ensino público superior. As notícias desses últimos dias apontam para um retorno da concessão de bolsas, mas apenas para os programas de pós-graduação com notas entre cinco e sete. Os cortes orçamentários, dessa maneira, passam a reconfigurar os programas de pós-graduação e a fazer os mestrados e doutorados dançarem a música do governo. E, em relação a juventude, fazem a garotada piar fino, calar projetos e sonhos, e replanejar suas vidas.

Voltei do campus melancólico, naquele dia. Não tive coragem de visitar meus antigos colegas e escrevo essa crônica para registrar esse momento de incertezas. Restou, porém, o consolo do otimismo do bolsista. Provavelmente o guri não está se deixando abater. É um forte, imagino, e só os fortes suportarão o vendaval neoliberal que vivemos.

Detalhe do mural "Quinhentos anos da invasão da América", de Juan Amoretti, nas paredes do CAL. Cena do massacre provocado pelo avanço da civilização europeia.

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