Oftpred é o colírio que me acompanha nos últimos tempos. Um colírio para uso específico: inflamação na íris. Já usei Maxidex, Predfort; agora é este. Tive a primeira inflamação nos olhos em 1977, com 21 anos, e deste então sou um usuário constante desse tipo de medicamento. Afinal tenho essa doença todos os anos, às vezes mais de uma vez – mas felizmente (na maioria das vezes) debelada apenas com colírio.
Já escrevi um poema tematizando as inflamações nos
olhos, mas nunca consegui enfocar o colírio, como fez João Cabral Melo Neto com
a aspirina. Em 1966, em Educação pela pedra, o poeta publicou “Num
monumento a aspirina” e comparou o remédio com “o mais prático dos sóis”, “sol
imune às leis da meteorologia”, pois “a toda hora em que se necessita dele,
levanta e vem (...) para secar a aniagem da alma.”
Na segunda estrofe do poema, o poeta faz uma
analogia da aspirina com a lente, mas com a peculiaridade de ser “de uso
interno”, de funcionar “por detrás da retina” e ser capaz de reenfocar “para o
corpo inteiro (...) o borroso de ao redor.”
Sempre gostei desse sol cabralino que lava a dureza
da alma e dissolve o borroso ao redor. Utilizando as mesmas imagens para o
colírio, diria que suas águas de cor leitosa, que podemos dispor a qualquer
hora, afogam a dor e desanuviam a visão. A dor e visão nublada que irrompem
nos olhos inflamados. desenhando uma coroa vermelha em torno da íris. Pequeno tormento
da minha vida inteira a apontar as fragilidades do corpo.
Mas sofrimento capaz de ser contornado e combatido.
Quando tive a primeira vez, o oculista (Rivadávia Corrêa Meyer) chegou a pensar
que eu ficaria com a visão prejudicada. Recordo que fui atendido de emergência
(por insistência da mãe), o médico pingou um colírio para dilatar a pupila,
outro para combater a uveíte (outro nome para a inflamação na íris) e me mandou
para casa. Voltei horas depois, ele me viu no corredor de espera e veio me
examinar. Observou o olho doente, sorriu e disse:
– Reagiu.
Depois, no consultório, me examinando com uma
daquelas máquinas de ver o fundo do olho, contou a sua preocupação, isto é, que
tivera receio da inflamação (que era extremamente forte e demorara para ser
medicada) me deixasse com sequelas irreversíveis: uma visão anuviada e a dificuldade
de discernir as cores.
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