Fui adolescente privilegiado, isto é, tinha “comida
e roupa lavada de graça” e não precisei encarar o “basquete” antes de formado. Aos 16 anos morava com pai e mãe (mais dois irmãos), estava no
primeiro ano do Curso Clássico (que a Reforma do Ensino extinguiu naquele ano,
1971) e todos os sábados recebia uma “mesada”. Não lembro o valor, mas dava
para o cinema. O teatro era mais caro e precisava
economizar.
Nessa idade tive a primeira namorada e um dia cheguei
na sua casa e ela falou de um concerto no Teatro Leopoldina (vivíamos em Porto
Alegre), com Mozart no programa. Nós estávamos conhecendo a música clássica e imaginamos
que pudéssemos ir. Recém escutáramos a Sinfonia nº 41, denominada “Júpiter”, e
não fugíramos à regra dos mortais comuns, isto é, nos sentimos alçados ao
Olimpo, a moradia dos deuses gregos.
Detalhe importante: essas audições eram num
toca-discos portátil, com uma simples caixa de som, na casa da namorada. Mesmo assim, Mozart estava
lá, com todo o seu esplendor e encantamento. Na parede da sala onde escutávamos
música (a sala de refeições da família) havia um quadro com a paisagem de um parque bem ajardinado, com lago e templo romano. Um quadro provavelmente inspirado nos
jardins da Villa Borghese (como vim a saber décadas mais tarde) e muito comum
nas casas que eu frequentava.
Paisagem da Villa Borghese (foto encontrada no Google). |
Pois minha namorada falou do concerto, eu fiquei entusiasmado, e a irmã dela (mais velha, estudante de Psicologia) nos jogou um balde de água fria:
– Vocês sabem o preço dos ingressos?
Nós não sabíamos, ela nos informou e ficamos desalentados.
Eu precisaria de várias mesadas só para pagar a minha entrada.
A irmã dela sorria
sarcasticamente e foi um momento importante na minha formação, isto é, descobri
que nem todas as portas estavam abertas para mim. O mundo do teatro – dos concertos,
dos espetáculos de balé, das peças teatrais – não era o mesmo do cinema, que eu
frequentava sem problemas. Aos domingos de manhã eu costumava assistir aos Concertos
para a Juventude, que a OSPA apresentava no Salão de Atos da Reitoria, da
UFRGS, e era isso que conhecia da tal música clássica. A cena cultural mais sofisticada
estava distante do meu horizonte.
Na sequência, porém, juntei dinheiro da mesada e
ingressei nesse circuito. Recordo a primeira vez que assisti Shakespeare, com
Juca de Oliveira interpretando Ricardo III, e também quando vi Tônia Carreiro
fazendo Nora, em Casa de bonecas (ambas as peças no Teatro Leopoldina). Mas nunca
fui com a namorada a um espetáculo desses. A minha mesada não era suficiente
para bancar o ingresso de nós dois.
Mesmo assim não deixo de dizer que era um
adolescente privilegiado. Nunca deixei de assistir a nenhum filme
por falta de grana. Um dia um amigo me convidou para assistir Le femmes,
com Brigitte Bardot (impróprio para menores de 18 anos), demos uma gorjeta para
o porteiro e ele mandou nos escondermos no mezanino. Não sei a gorjeta que demos ao porteiro,
mas não foi nada que me deixasse desfalcado.
Pensando na perspectiva de hoje (de um velho de 67 anos) aquele filme da Brigitte Bardot proporcionou um prazer tão grande quanto as peças teatrais com Juca de Oliveira e Tônia Carreiro (assistidos mais ou menos na mesma época). Mas que teria sido bom ir ouvir Mozart com a namorada, aos 16 anos, isso não posso deixar de dizer.
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