sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Visita a Rocinha

           Em julho de 2018 estive no Rio de Janeiro com a Rose, minha antiga companheira, e uma das primeiras coisas que fizemos foi visitar o Forte de Copacabana. Estávamos hospedados num hotel ali perto e fomos fazer um lanche na filial da Confeitaria Colombo, dentro do Forte. Uma sorridente garçonete nos atendeu, começamos a conversar com ela e a moça nos contou que morava na Rocinha com a filha pequena. Mas às vezes havia tiroteios, explicou, não podia sair de casa e até faltava ao serviço. Fora esses contratempos, decorrentes dos conflitos entre as gangues ou dessas organizações com a polícia, a Rocinha era um bairro como outro qualquer, ela insistiu. Muito bom de morar, acessível.

Ficamos admirados com o modo tranquilo como a garçonete lidava com a violência do morro e nos perguntamos: que Rio de Janeiro é esse? Não é a cidade que estávamos vivendo, hospedados num pitoresco bairro da Zona Sul, passeando pela segura alameda de um forte militar, olhando o mar e a praia de Copacabana, e depois, sentados nas elegantes cadeiras de uma confeitaria, aproveitando um saboroso lanche, atendidos por atenciosa funcionária.

Há um outro Rio de Janeiro, pensamos, ao sair do Forte e irmos bater pernas pela Avenida Atlântica – um Rio de Janeiro que não é o da Zona Sul nem o do centro e o do antigo porto revitalizado. No balcão do hotel encontramos um folder de passeios turísticos e, entre as ofertas, um tour pela Rocinha. Minha companheira se entusiasmou, eu arrepiei (e se pegarmos um desses dias de tiroteio?), mas terminei encarando o passeio.

Dois dias depois (no início da manhã) um jipão estacionou na frente do hotel, um simpático guia (com a devida displicência carioca) pulou da cabine, nos indicou um lugar na carroceria e lá fomos nós, junto com meia dúzia de australianos. Os brasileiros geralmente não gostam desses tours e os estrangeiros (especialmente europeus) são a principal clientela.

O motorista nos conduziu até o alto da Rocinha, o guiou saiu para conversar com moradores e voltou avisando que a “tava tudo beleza” (a área em completa segurança) e deu início ao tour. Quase três horas descendo o morro a pé, na maioria do tempo por ruas estreitas – algumas delas da mesma largura daquelas que encontramos nos bairros medievais que visitamos na Europa e nos encantamos. O nosso medievo, pensei, com a precariedade e selvageria daqueles tempos antigos.

As ruas estreitas da Rocinha.

Entretanto, seja como for, também um bairro como outro qualquer – com prosaicos moradores na porta das casas dizendo “bom dia” aos visitantes e tocando a vida normalmente. Mulheres com sacolas de compras, crianças brincando, velhinhos sorridentes. Gente simples, comum, mas um e outro rapagão com um jeito que me pareceu os de filme de bandidagem carioca.

O guia falava da variedade do comércio e apontava as lojas com produtos para animais domésticos, os salões de beleza, os restaurantes de comida italiana e também os de sushi. O bairro abriga uma população de mais de 200 mil (informação do guia que o IBGE não confirma) e aí se encontram tanto modestos trabalhadores quanto um setor com renda de classe média, com todo o apetite de consumo da classe média brasileira.

– A Rocinha não se restringe ao tráfico de drogas – explicou o guia. – É muito mais do que isso. E, quanto às drogas, é bom lembrar que ela não é consumida aqui, mas no asfalto.

Vista da Rocinha do Bar e Restaurante Os Ximenes.


         Muito estranho o mundo em que vivemos, pensei, de volta a Zona Sul, bebendo uma taça de vinho branco no bar do entorno da piscina do Copacabana Palace. Não era o hotel onde estávamos hospedados, claro, e entráramos ali com a mesma curiosidade com que visitáramos a Rocinha: a de conhecer os diferentes espaços do território carioca. As diversas cidades que o Rio de Janeiro abriga: a da precariedade chocante e a do luxo estonteante.

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