Zuenir escreve sobre um período de cinquenta anos
(1954 a 2004), desde que chegou ao Rio de Janeiro para cursar Letras, enfocando
sua atividade jornalística. Os episódios que viveu e as pessoas que conheceu.
Esteve na Europa em 1960-61 (fazendo curso de
jornalismo em Paris) e, em Viena, assistiu Jacqueline Kennedy descendo de um
carro e conseguiu clicar a grande dama, um mito naquela época. Acompanhou
Glauber Rocha em Cannes, barbarizando com o filme “Deus e o diabo na terra do
sol”. Subiu o morro Dona Marta e entrevistou o traficante Márcio VP, em 1997,
que então declarava simpatia ao zapatismo e pousava de guerrilheiro. Não é
pouca coisa.
Mas comprei o livro porque abri na página em que
ele descrevia o “verão da abertura” (1979-80) e se referia ao Fernando Gabeira
pousando de tanga de crochê em Ipanema. Gabeira fazia sucesso com O que é
isso, companheiro? e divulgava temas que, segundo Zuenir, eram novos para a
esquerda tradicional, como “culto ao corpo, liberdade sexual, direito da
mulher, homossexualismo, ecologia e racismo”. Novos para a esquerda ainda marcada
pelos partidos comunistas, me parece, pois a esquerda estudantil já discutia
esses temas há algum tempo.
Seja como for, Zuenir tem razão: Gabeira era uma
referência para um novo debate político-cultural. Alguns homens questionavam o
machismo (a tanga de crochê tinha essa intenção), algumas mulheres ensaiavam topless
nas praias do Rio e novas formas de relacionamento sentimental e sexual se expandiam,
como a “amizade colorida”. A abertura política tinha um complemento de abertura
comportamental ou algo assim.
Tempos interessantes, aqueles. As mulheres
aprimoravam a arte da exibição do corpo, com novos formatos de biquini (asa-delta,
bumerangue e ti-ti-ti) e os partidos comunistas voltavam a mostrar a cara (durante
a campanha “Diretas Já”), inclusive emitindo novas carteirinhas para seus
filiados. Bundas à mostra e comunistas sem medo – uma feliz síntese dos anos
80. Mas logo chegou a peste (a Aids) e tudo pareceu refluir. Segundo o autor,
era o fim da revolução sexual iniciada na década de 60.
Paralelo aos novos ares liberais na política e nos costumes, no entanto, um quadro de violência criminosa crescia no Rio de Janeiro. Em 1981, a revista Veja publicou uma reportagem sobre o tema (produto da sucursal carioca, chefiada pelo autor) com a seguinte chamada de capa: “A guerra civil no Rio”. Era a primeira vez que a expressão “guerra civil” era utilizada na imprensa. Um quadro que, ao longo da década de 80, se expandiu. Os traficantes terminaram consolidando um poder paralelo na cidade (tema de seu livro Cidade partida, 1994) e que parece perdurar até hoje.
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