Fui surpreendido nesta manhã por um homem revirando
o lixo. Não é cena rara na minha rua. Mas dessa vez me espantei. Fui na sacada,
uma xícara de café na mão, e lá estava o sujeito, inclinado sobre a lixeira de
um prédio, conferindo o material. A máquina fotográfica estava à mão e, com
algum constrangimento, registrei a cena. Um espetáculo degradante e comum que
volta e meia me atinge feito um soco.
Fiquei olhando o homem da sacada e logo o
identifiquei. Volta e meia ele passa por aqui. Tem uma bicicleta, com um
engradado de plástico preso ao bagageiro, onde vai colocando o que acha que
vale à pena. Um catador criterioso. Barbudo e asseado, acho que está na faixa
dos 60 anos e nos cumprimentamos quando cruzamos a mesma calçada.
Impressionante a naturalidade como ele realiza a sua função de catador.
– Bom dia – ele disse certa vez, quando revirava a
lixeira do meu prédio, e precisei fazer um esforço para responder. Parei na
calçada, conversamos sobre o tempo e não percebi revolta nem indignação na sua
voz. Era um homem pobre buscando o seu sustento numa atividade inusitada para a
classe média asseada que represento.
Ele tem sempre vários cachorros ao redor e já ouvi um
dos meus vizinhos perguntar como cuida de tantos animais e se não se preocupa com a possibilidade deles serem atropelados por motoristas imprudentes. O catador explicou que são
bichos muito bons e que atendem ao seu comando. Nas sinaleiras, por exemplo,
ele faz sinais com as mãos os avisando a respeito da hora de parar e de atravessar. Naquela ocasião em que o vizinho
perguntou, reproduziu os gestos e nos permitiu ver o modo atento como os cães o acompanham. Uma bicharada que lhe dá muito orgulho, ele disse, e concordamos,
ao observar os olhos doces dos cães.
Não sei o nome do catador de lixo que volta e meia
cruza a minha rua e apenas assinalo a sua presença. A velha má consciência se
ouriça dentro de mim e, mais uma vez, exercito o olhar sobre a pobreza extrema
que se apresenta diante de mim com a maior naturalidade. A pobreza que se
desnuda da sacada do apartamento, numa manhã fria e ensolarada de agosto.
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