quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Um catador de lixo na minha rua

 

Fui surpreendido nesta manhã por um homem revirando o lixo. Não é cena rara na minha rua. Mas dessa vez me espantei. Fui na sacada, uma xícara de café na mão, e lá estava o sujeito, inclinado sobre a lixeira de um prédio, conferindo o material. A máquina fotográfica estava à mão e, com algum constrangimento, registrei a cena. Um espetáculo degradante e comum que volta e meia me atinge feito um soco.

Fiquei olhando o homem da sacada e logo o identifiquei. Volta e meia ele passa por aqui. Tem uma bicicleta, com um engradado de plástico preso ao bagageiro, onde vai colocando o que acha que vale à pena. Um catador criterioso. Barbudo e asseado, acho que está na faixa dos 60 anos e nos cumprimentamos quando cruzamos a mesma calçada. Impressionante a naturalidade como ele realiza a sua função de catador.

– Bom dia – ele disse certa vez, quando revirava a lixeira do meu prédio, e precisei fazer um esforço para responder. Parei na calçada, conversamos sobre o tempo e não percebi revolta nem indignação na sua voz. Era um homem pobre buscando o seu sustento numa atividade inusitada para a classe média asseada que represento.

Ele tem sempre vários cachorros ao redor e já ouvi um dos meus vizinhos perguntar como cuida de tantos animais e se não se preocupa com a possibilidade deles serem atropelados por motoristas imprudentes. O catador explicou que são bichos muito bons e que atendem ao seu comando. Nas sinaleiras, por exemplo, ele faz sinais com as mãos os avisando a respeito da hora de parar e de atravessar. Naquela ocasião em que o vizinho perguntou, reproduziu os gestos e nos permitiu ver o modo atento como os cães o acompanham. Uma bicharada que lhe dá muito orgulho, ele disse, e concordamos, ao observar os olhos doces dos cães.

Não sei o nome do catador de lixo que volta e meia cruza a minha rua e apenas assinalo a sua presença. A velha má consciência se ouriça dentro de mim e, mais uma vez, exercito o olhar sobre a pobreza extrema que se apresenta diante de mim com a maior naturalidade. A pobreza que se desnuda da sacada do apartamento, numa manhã fria e ensolarada de agosto.

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