Décadas atrás, bastava o título de graduação para o
sujeito se tornar professor universitário. Cursos de pós-graduação e títulos de
mestre e doutor vinham com o andar da carruagem, isto é, caso o professor tivesse
alguma ideia original e condições para desenvolvê-la. Caso contrário, era possível
fazer carreira nas universidades federais sem investir na qualificação acadêmica.
Ao longo da década de 1980, no entanto, isso mudou.
A partir de então, a pós-graduação passou a ser uma exigência para inscrição em
concurso e, para os professores já efetivados, uma espécie de pressão. Se o
sujeito almejasse ascender na carreira e ter salário melhor, a qualificação
acadêmica era indispensável.
Creio que vivi essa mudança.
No concurso que prestei para o Departamento de História
da UFSM, em 1989, não constava a exigência de título de pós-graduação e isso já
não era comum na época. Foi o que possibilitou a minha inscrição. Um amigo (Ricardo
Napoli) leu o edital do concurso na Zero Hora, lembrou da minha penúria
no Magistério Estadual e me ligou. Eu fui na mesma hora comprar o jornal e
comecei a estudar naquela noite. Animação total.
Prestei concurso, fiquei em quarto lugar e soube
que, apesar do edital ser apenas para duas vagas, os terceiro, quarto e quinto candidatos
aprovados seriam aproveitados. Três professores do departamento estavam aguardando
aposentadoria e entraríamos nas suas vagas. Fernando Collor, no entanto, tomou
posse como Presidente da República no ano seguinte (1990), embaralhou a vida
dos funcionários federais e os três professores suspenderam as aposentadorias. Esperaram
mais um ano e, por pouco, o concurso não dançou.
Concursos em universidades federais têm validade de
um ano e, se não são renovados, caducam. Isso só não aconteceu porque um professor
(Teófilo Torronteguy) encaminhou pedido de renovação do concurso. Um “detalhe” que
eu sequer soube na época.
Lembrei dessas histórias nessa semana, quando fui
convidado para palestrar uma faculdade local (FAPAS) a respeito do tema de
minha tese de doutorado: O Catolicismo Ultramontano e a conquista de Santa
Maria. Entre tantas coisas, recordei que já tive planos de me tornar um
andarilho como alguns personagens de Hermann Hesse. Um andarilho como Goldmund,
do romance Narciso e Goldmund, ambientado na Europa medieval. Goldumund
não se adequa ao ambiente do mosteiro, o lugar do conhecimento naquele tempo, e
sai a andar pelo mundo em busca de saberes, da arte inclusive e também do amor.
Uma fantasia juvenil, claro, que felizmente não
realizei. Me diplomei, encarei o Magistério Estadual e me submeti ao regramento
do mundo – buscar o conhecimento nos marcos da academia, no caso. Quando tive oportunidade,
prestei concurso para lecionar em universidade e fiz o que manda o figurino. Deu
certo.
Com meu colega Luiz Eugênio Véscio (nós dois aprovados
no mesmo concurso), na sala que dividíamos na UFSM, conversávamos a
respeito das nossas trajetórias e eu contava que tivera a fantasia de ser
andarilho. Luiz Eugênio ria muito. Gargalhava. Juntos, nós concluímos nossas
dissertações de mestrado e, na sequência, procuramos ideias que nos possibilitassem
ingressar no doutorado.
Antigo Prédio de Apoio da UFSM. Local onde funcionava o Depto. de História na década de 1990. Foto de 2022. |
Não foi um caminho fácil. Luiz Eugênio construiu
sua tese a partir da morte de um padre na região de colonização italiana – supostamente
agredido por maçons, no ano de 1900.[1]
Eu bispei que o filão era rico – a história da Igreja Católica e suas transformações
no final do século XIX – e por aí construí o meu projeto de doutorado.[2]
[1] Padre
Antônio Sório foi um dos primeiros sacerdotes a atuar na 4ª Colônia de
Imigração Italiana, no RGS. Teve conflitos com os colonos da região, vindo a
ser agredido por um grupo e falecendo por conta dos ferimentos. Alguns dizem
que os agressores eram maçons contrários à Igreja; outros, que eram familiares de
uma moça que perdera a virgindade com o padre.
[2] No
século XIX, a Igreja Católica passou por transformações devido à adoção do
Ultramontanismo (Concílio Vaticano I, 1869-70). Isso implicou em reformas
internas e novas relações com os leigos, inclusive no RGS, na cidade de Santa
Maria (foco do meu estudo, no período de 1870 a 1920).
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