terça-feira, 4 de junho de 2024

Segurar um homem (conto)

 

       Tia Conceição está pessimista em relação ao novo relacionamento de Isabel, sua sobrinha e minha prima. Ela sabe que Isabel é uma mulher de dois casamentos com finais difíceis de explicar e duvida que ela emplaque um terceiro. Mas reconhece que, apesar da idade e das dificuldades, ela ainda é capaz de despertar a atenção dos homens.

– Minha sobrinha encena caras e bocas com tanta energia e vibração que me deixa zonza. Parece provocação. Um esforço para dizer que ainda é capaz de qualquer coisa, não está morta, apesar dos seus cinquenta e poucos anos. Ela ainda consegue ser vibrante e isso atrai os homens.

– Isabel sempre foi uma mulher independente – continua a tia –, mas está cansada. Valdemar surgiu nesse momento da sua vida, quando já não esperava grande coisa. Ele é um homem de idade avançada, rico, que está babando por ela.

Tia Conceição interrompe a sua fala para beber um gole de chá, buscar as melhores palavras para se expressar e por fim retoma:

– Babar por uma mulher é muito vulgar, mas é isso que está acontecendo. Da parte da minha sobrinha, no entanto, não creio que ocorra o mesmo, mas sim algum deslumbramento. Um homem desses cair aos seus pés é algo surpreendente. Um homem poderoso, de grandes realizações nos negócios, não estava no seu horizonte. Ele é desses sessentões endinheirados, separado há pouco tempo, e com muita mulher rondando, a maioria mais interessadas no seu dinheiro do que em outra coisa. Comparada a essas mulheres, Isabel leva vantagens: a honestidade e a independência, o que tranquiliza qualquer homem.  

– Valdemar caiu de beiço, isso posso garantir – continua tia Conceição, rindo – e Isabel percebeu logo. Sentiu-se prestigiada, o que ela afirma que não vivia com seu último marido que ela garante que era furioso, dado a rompantes, que não a valorizava como mulher, mas que eu acho, cá pra nós, que não passava de um plasta que a seguia feito um cachorrinho. Ela reconhece que Valdemar é um conservador, retrógrado mesmo, como a maioria dos homens da área empresarial, que isso a incomoda, mas está aprendendo a suportar.

– Por que não? Foi bem isso que ela me disse – esclarece tia Conceição. – Minha sobrinha colocou tudo na balança, os prós e os contras, e viu que tem mais a ganhar do que a perder. Ele é um homem que tem valores incompatíveis com os de uma mulher moderna, mas, afinal, o que é isso? Valores, costumes, ideário político, isso às vezes se muda e ela está jogando com essa possibilidade. Ela sempre transformou os homens com os quais se casou e o último, então, ela dominou, isto eu sei. Deve estar imaginando que vai repetir a façanha.

Tia Conceição para novamente de falar, suspira fundo e diz que esta é uma característica da família:

– Somos mulheres fortes. Acreditamos no nosso poder. Mas hoje eu sei que isso não é garantia de grande coisa. O jogo com os homens não é parelho. Eles sempre contam com recursos com os quais não contamos. Eu vivi isso. Meu marido parecia me colocar no centro da sua vida e, de repente, se engraçou por um pedaço de carne mais nova e me deixou. Não teve pena nem dó.

Tia Conceição se desculpa dos termos utilizados (“Ora, um pedaço de carne nova, que vulgaridade!”), mas recordar o que viveu com o ex-marido ainda a perturba.

– Foi um rabo de saia novo, sim, que virou a cabeça dele. Quase uma adolescente, para dizer a verdade. E eu não esperava que aquele bandido me deixasse depois de tudo que fiz por ele. Nesse ponto, acho Isabel parecida comigo, capaz das mesmas ilusões, achando-se melhor do que é, e por isso a minha preocupação. Ela está agindo com muita diplomacia, é verdade – discorre tia Conceição, buscando as palavras adequadas –, mas está deslumbrada e confiante demais. Segurar um homem não é tarefa fácil, Valdemar é desses que tem muitos recursos e não sei se Isabel está ponderando bem este aspecto. Ele pode estar babando, como se diz, mas é homem muito rodado, com muita visão e sucesso na vida, e esses não caem em qualquer conversa.

Tia Conceição coloca a mão no bule, diz que a água não está mais quente para outro chá e diz também que já falou demais e que eu não vá escrever sobre isso.

– Segurar um homem não é coisa fácil. Ainda mais quando há muito diferença entre os dois, como era o caso do meu marido e eu, como é o caso de Isabel e Valdemar. Apesar de termos a mesma origem, ambos descendentes de imigrantes, nunca concordamos quanto ao modo de ver o mundo. Isso pesou no final da vida. Eu não percebi, faceira que era, tal qual Isabel. Mas quando não servi mais, quando fiquei velha – diz tia Conceição com a voz tremida pela emoção –, ele não teve dificuldade de me deixar. Afinal era esse o seu modo de conduzir a vida, sempre muito atento aos seus interesses, sempre querendo o melhor para si, e não sei por que Valdemar me lembra ele. Puro palpite. Afinal são homens de visão, de iniciativa, de sucesso (no caso de Valdemar, de muito mais sucesso do que meu Antônio), e com homens assim as mulheres geralmente perdem.

Tia Conceição é dessas senhoras cultas que contam e recontam a própria vida e sempre acrescentam alguma coisa. Viajada e atenta ao mundo ao redor, ela é para mim um manancial de histórias e sempre me agrada o jeito como aborda os relacionamentos da família, em especial os namoros, os casamentos, as traições inclusive. Eu registro cada história como posso e, mesmo reconhecendo a precariedade das minhas narrativas, tenho prazer em realizá-las.

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