segunda-feira, 17 de junho de 2024

A última favorita de Luís XV

 

Fui num sebo-café na Rua da República, em Porto Alegre, dias atrás, e sentei ao lado da estante de livros. Folhei o que estava mais perto, A última favorita: a maravilhosa aventura de madame Du Barry, e fiquei fascinado com o primeiro capítulo.[1]

Em 1768, uma jovem de 25 anos visita o Palácio de Versalhes com o ex-amante (para tratar de assuntos pecuniários com uma autoridade palaciana) e acaba indo assistir à refeição de Luís XV, então um viúvo melancólico de 58 anos. O rei encena a refeição ritual com enfado, nota a presença da moça (descrita como de extrema beleza) e deixa transparecer o seu encantamento.

Pronto, está armado o mote do livro: a relação dessa mulher, Jeanne de Vaubenier, com o rei. Saí do sebo-café com o livro debaixo do braço e o li com grande interesse, em especial quanto ao modo como a heroína (descrita com muita simpatia) encara a relação amorosa com o rei e menos com as intrigas palacianas (que ocupam mais da metade da narrativa).

Jeanne de Vaubenier era de “nascimento obscuro” (filha de uma cozinheira com um frade), “infância infeliz”, “juventude desamparada” e viveu em constante perigo devido a sua “beleza maravilhosa”. Aos vinte anos estabeleceu relação com o fidalgo Jean Du Barry e, mais do que tudo, se encantou com a proteção que ele lhe deu. O fidalgo cedo percebeu que a moça sentia “repugnância (...) por determinados favores” que ele lhe pedia e passou a tratá-la como uma irmã, preocupado com sua situação material e seu futuro. Quando ele foi procurado por membros da corte interessados em aproximar a moça do rei, prontamente se colocou como parte do ardil.

O rei costumava ter aventuras passageiras com mulheres plebeias, mas alguns aristocratas (interessados em terem uma pessoa próxima junto ao monarca) avaliaram que Jeanne era mulher diferenciada e apostaram numa relação mais sólida. Jeanne se conformou ao jogo e, para sua sorte (e dos seus benfeitores), a artimanha surtiu efeito. O rei, que a princípio viveu a experiência como “um delírio dos sentidos”, logo estabeleceu com ela “laços do coração e do espírito”. E ela, “subjugada (...) pela majestade real do amante”, logo descobriu que Luís XV, na intimidade, se despojava da persona real e se transformava “apenas no homem que ele era”.

Um romanção: a heroína de origem plebeia que conquista um coração real e, na sequência, boa parte da corte de Versalhes, a qual não admitia alguém de condição inferior galgar ao posto de amante oficial. Posição que ela conquistou no ano seguinte, após uma falsificação na sua documentação de nascimento e o casamento de conveniência com o Conde Du Barry (irmão do ex-amante).

Madame Du Barry (assim ela ficou conhecida na História) viveu com o rei praticamente até a sua morte (durante cinco anos) e a narrativa a apresenta como mulher
dócil, compreensiva em relação aos desejos e caprichos reais, e muito satisfeita nesta condição. Conquistou uma posição material privilegiada, soube gerir o seu dinheiro, manter boas relações e assim se manter. Às vezes se interrogava quanto a sua condição (“Estarei destinada a ser sempre amada e a não amar nunca?”), mas, quando se viu em situação de escolher (após a morte do rei), optou por outro amante poderoso. Uma plebeia fascinada pelo mundo aristocrata.

"Madame Du Barry" (1781), de Elisabeth Vigée Le Brun.
Fonte: Wikipédia.

Quando a revolução chegou às portas do palácio, Madame Du Barry claramente optou pelos monarquistas e auxiliou os aristocratas que fugiam e conspiravam contra as novas forças políticas. Tentou fazer um jogo com os revolucionários (mesmo depois de estabelecida a República), mas não obteve êxito. Apostou demais no seu taco e foi presa, condenada como traidora e guilhotinada no segundo ano da República (1793).

Na última cena do romance, o funcionário do Tribunal Revolucionário que registra as execuções assim anota a sua morte: “o cutelo da guilhotina caiu sobre o belo pescoço da Condessa Du Barry”.



[1] LAMBERT, André. A última favorita: a maravilhosa aventura da madame Du Barry. Belo Horizonte: Itatiaia, 1959. 304 p. Coleção “Grandes Mulheres na História”.

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