terça-feira, 11 de junho de 2024

Lembranças da praia do Cassino

 

Sonhei com a praia do Cassino uma noite dessas. Era um dia muito frio e eu caminhava sozinho pela avenida que cruza a área urbana, da antiga estação de trem até a beira do mar. Andava pelo canteiro central e de repente fui invadido pelo vento de anos e anos passados. Parei, olhei para as árvores sacudidas pela ventania e tive certeza disso. Dentro de mim, o eco de conversas antigas a respeito das relações entre mães e filhos e seus intermináveis desdobramentos.

Avenida Central da praia do Cassino.
(Foto de 2016)

Sim, mais de uma vez andei pela avenida central do Cassino (tanto no inverno como no verão) e conversei a respeito das relações entre mães e filhos e sobre a morte das mesmas. Debaixo daquelas árvores, na década de 1970, eu falei sobre o que vivia com minha mãe com uma prima, a Carmen Lúcia, e penso que foi a partir daquela época que o assunto se colocou para mim como fundamental. Eu veraneava na casa dos pais dela (os tios Victor e Maria Delfina) e recordo de irmos a feira (comprar figo, entre outras coisas) e tratarmos do assunto. Minha prima, alguns anos mais velha do que eu, dava uma importância enorme ao tema e com ela aprendi o quanto os pais (especialmente as mães) são importantes na nossa formação.

Histórias de mães e filhos se tornaram um assunto constante (mais tarde reviradas e analisadas em consultórios psiquiátricos) e foi na praia do Cassino que tudo começou. Minha prima Carmen Lúcia morreu, nossas mães morreram também, e o sonho girou em torno de um inverno no qual eu andava com uma antiga companheira e ela acabara de perder a mãe. Eu tentava auxiliá-la no seu luto e meus comentários não agradaram. A relação que ela tivera com a mãe fora sofrida e abordar o tema era espinhoso. Eu procurava ajudá-la, não fui feliz na tentativa e ela embrabeceu comigo. A sua dor, no entanto, ardia feito brasa nas minhas mãos. Eu nunca descuidara do assunto, sempre o tratara com atenção e, muitas vezes, com exagerada insistência. Anos depois minha mãe faleceu e me vi às voltas com o mesmo caso: o penoso processo de enterrar a mãe.

Acordei pensando em tudo isso, mas de modo algum angustiado, apenas lembrando. A praia do Cassino foi um cenário importante na minha vida: o local onde primeiro vi o mar. Lugar que frequentei desde recém-nascido, como tantas vezes minha mãe contou. Guri entre oito e dez anos, eu “pescava” siri nas margens da Barra do Rio Grande (nos molhes) e as lembranças desse tempo se tornaram preciosas. A partir dos anos 2000 passei a frequentar a praia com assiduidade (especialmente nos verões) e as vivências no local se intensificaram. Hoje essas memórias se reconfiguram sem que eu tenha o menor controle.

A memória das mães se entrelaça com a paisagem do Cassino e a praia ganha outra coloração, tecida por histórias de mães e filhos, nem sempre fáceis de desfiar e compreender. No entanto, sempre muito boas de recordar, pois são as narrativas que me constituem e revivê-las é sempre uma oportunidade desvendar novas facetas da minha história. Um processo sem fim de encontro comigo mesmo.

Antiga Estação de Trem da praia  do Cassino.
(Foto de 2016)


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