Quando lecionava em Canoas, numa escola entre os bairros Harmonia e Mathias Velho, a rua não era calçada nem asfaltada. Pura terra, apenas patrolada por máquinas da Prefeitura, uma vez ou outra. Quando chovia, um lodaçal tremendo. Era uma arte atravessá-la e entrar na escola sem estar completamente embarrado.
Mas isso foi no início da década de 1980. Quando voltei
lá, em 2012, a rua ganhara asfalto. A escola permanecia a mesma – com as mesmas
paredes de tijolos avermelhados –, mas o entorno mudara e fiquei com a impressão
de uma melhoria geral.
Será? Não falei com ninguém, com nenhum professor,
funcionário ou aluno, só olhei aquele mundo de fora, andando pela rua, especulando a respeito do
que acontecera.
O que meus alunos contavam, no início dos anos 80,
não entusiasmava muito. O que eles falavam a respeito do trabalho era de que as
jornadas eram cansativas e os salários, minguados. (As precárias condições
urbanas não estavam entre as principais preocupações.) Haviam empregos ótimos
na indústria local, mas exigiam uma qualificação que a maioria não sabia como
obter.
Nesse horizonte, o quartel era uma das possibilidades
de mudança:
– Quando meu irmão serviu, ele começou a lidar com
caminhão e hoje trabalha numa oficina – contou um aluno, sonhando repetir a
trajetória familiar e aprender algum ofício quando estivesse no Exército.
Lembro que comecei a pensar que as Forças Armadas
poderiam servir para alguma coisa além de ser “instrumento de dominação à
serviço do Capital”.
Uma noite (num intervalo de aula no ensino noturno) um
aluno me falou que o trabalho no tráfico de drogas local garantia, em uma semana, um
rendimento equivalente a um salário mínimo. Acho que demorei a encontrar alguma
coisa para dizer que o dissuadisse do mundo marginal (o da economia das drogas),
mas certamente não falei grande coisa. Eu estava diante de uma realidade muito distante da minha capacidade de compreensão.
Naquela noite, a aula era sobre Revolução Francesa,
o rumo que o processo de ruptura com o Antigo Regime tomara com Napoleão Bonaparte, a
consolidação do domínio da burguesia, essas coisas. E o mesmo aluno me perguntou
porque precisava estudar aquilo...
– Para entender o mundo que vivemos – eu devo ter
dito, pois era isso que eu pensava, com a certeza de que o currículo oficial de
História servia para alguma coisa.
Eu descia do ônibus na frente da escola e, se
estivesse chovendo, caminhava com todo cuidado para não me embarrar
completamente. Minhas aulas eram no turno da tarde e da noite, e cumpria meu
horário com satisfação. Dava aulas sobre as revoluções Industrial e
Francesa, a construção do Mundo Contemporâneo na Europa, a formação do Estado
Nacional brasileiro... acreditando que era importante compreender isso, se um
dia quiséssemos mudar a sociedade.
– Mudar o quê, professor? – escutava um aluno perguntar
do fundo da sala de aula, enquanto uma aluna suspirava entediada, abaixava a
cabeça e examinava detidamente as unhas.
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