O Facebook me lembrou um passeio que fiz a Veneza,
num sábado de Carnaval. Uma festa muito diferente daquela que vivenciamos no
Brasil, com uma animação num outro tom, sem música vibrante, sem samba,
marchinha ou frevo, e nenhuma nudez. “Chocante”, alguns dirão. Mas apenas diferente,
muito diferente, outra cultura, sei lá.
Foliões venezianos. |
As máscaras e as fantasias dos “foliões” italianos
são famosas e vê-las ao vivo é uma confirmação da propalada fama. Os "foliões" desfilam pelas
ruas e praças ricamente mascarados e fantasiados, e essa parece ser a
maior atração da festa. Mas coloco a palavra “folião” entre aspas, porque a
animação dos sujeitos... é de doer. Eles desfilam lentamente em pares ou em
pequenos grupos e produzem um espetáculo muito sóbrio, distante do que
entendemos por Carnaval. Muitas vezes ficam feito estátuas vivas no meio de uma
praça ou num canto de rua e essa parece ser a sua curtição: provocar a
admiração dos passantes.
Uma admiração merecida, claro, mas demorei a pegar o
espírito da coisa. Se é que peguei. Me senti o típico estrangeiro vindo dos
trópicos, habituado a outros ritmos e cores.
– É esse o Carnaval dessa gente? Cadê o samba, a
farra, mais as loiras e mulatas seminuas para o nosso deleite?
No cais em frente à Praça São Marcos assisti a um
desfile que me remeteu às raízes da festa (no século XII): uma procissão de
homens e mulheres vestidos com sóbrias roupas medievais, ao som cadenciado de
tambores. Os homens jogando de modo sincronizado suas bandeiras para o alto,
tudo feito com passadas lentas e ritmadas.
– Que coisa séria, esses carnavalescos! Será que se divertem?
De repente, depois de cruzar a cidade, entro numa
igreja (a de San Giacomo di Rialto) e me deparo com a música de Vivaldi nas
caixas de som. Vejo uma série de vitrines com instrumentos musicais (peças da
Coleção Artemio Versari, leio numa legenda) colocadas em frente às imagens
sacras e lembro o que escreveram antigos cronistas a respeito de Veneza: uma
cidade onde o sagrado e profano conviviam muito bem.
Interior da Igreja San Giacomo di Rialto. |
Essas observações escandalizavam alguns (máscaras
chegaram a ser proibidas por volta de 1600 por provocarem “comportamentoimoral”), mas certamente não ao padre e compositor Antonio Vivaldi (1678-1741),
conhecido como “Il Prette Rosso” (O Padre Vermelho) devido a cor dos seus
cabelos (ruivos).
Uma outra face dessa estranha Veneza, pensei,
dentro da Igreja de San Giacomo di Rialto. Um outro Carnaval, quem sabe. Li no
mural o horário das missas e das apresentações musicais (de peças barrocas, pelo
que entendi, nada de música sacra no programa), e fiquei com pena da minha
passagem ser tão curta pela cidade.
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