segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Outros carnavais

 

O Facebook me lembrou um passeio que fiz a Veneza, num sábado de Carnaval. Uma festa muito diferente daquela que vivenciamos no Brasil, com uma animação num outro tom, sem música vibrante, sem samba, marchinha ou frevo, e nenhuma nudez. “Chocante”, alguns dirão. Mas apenas diferente, muito diferente, outra cultura, sei lá.

Foliões venezianos.

As máscaras e as fantasias dos “foliões” italianos são famosas e vê-las ao vivo é uma confirmação da propalada fama. Os "foliões" desfilam pelas ruas e praças ricamente mascarados e fantasiados, e essa parece ser a maior atração da festa. Mas coloco a palavra “folião” entre aspas, porque a animação dos sujeitos... é de doer. Eles desfilam lentamente em pares ou em pequenos grupos e produzem um espetáculo muito sóbrio, distante do que entendemos por Carnaval. Muitas vezes ficam feito estátuas vivas no meio de uma praça ou num canto de rua e essa parece ser a sua curtição: provocar a admiração dos passantes.

Uma admiração merecida, claro, mas demorei a pegar o espírito da coisa. Se é que peguei. Me senti o típico estrangeiro vindo dos trópicos, habituado a outros ritmos e cores.

– É esse o Carnaval dessa gente? Cadê o samba, a farra, mais as loiras e mulatas seminuas para o nosso deleite?

No cais em frente à Praça São Marcos assisti a um desfile que me remeteu às raízes da festa (no século XII): uma procissão de homens e mulheres vestidos com sóbrias roupas medievais, ao som cadenciado de tambores. Os homens jogando de modo sincronizado suas bandeiras para o alto, tudo feito com passadas lentas e ritmadas.

– Que coisa séria, esses carnavalescos! Será que se divertem?

De repente, depois de cruzar a cidade, entro numa igreja (a de San Giacomo di Rialto) e me deparo com a música de Vivaldi nas caixas de som. Vejo uma série de vitrines com instrumentos musicais (peças da Coleção Artemio Versari, leio numa legenda) colocadas em frente às imagens sacras e lembro o que escreveram antigos cronistas a respeito de Veneza: uma cidade onde o sagrado e profano conviviam muito bem.

Interior da Igreja San Giacomo di Rialto.

Essas observações escandalizavam alguns (máscaras chegaram a ser proibidas por volta de 1600 por provocarem “comportamentoimoral”), mas certamente não ao padre e compositor Antonio Vivaldi (1678-1741), conhecido como “Il Prette Rosso” (O Padre Vermelho) devido a cor dos seus cabelos (ruivos).

Uma outra face dessa estranha Veneza, pensei, dentro da Igreja de San Giacomo di Rialto. Um outro Carnaval, quem sabe. Li no mural o horário das missas e das apresentações musicais (de peças barrocas, pelo que entendi, nada de música sacra no programa), e fiquei com pena da minha passagem ser tão curta pela cidade.

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