O dia do imigrante italiano (comemorado dias atrás, em 21 de fevereiro) gera muita conversa
entre os seus descendentes, entre os quais me incluo como neto. Meus avós
paternos, ainda jovens e solteiros (cada um com suas respectivas famílias), chegaram
ao porto de Santos, no final do século XIX. Meu avô, com 14 anos, em 1888; minha
avó, com idade que desconheço, provavelmente na década seguinte. Eles se
conheceram numa fazenda de café (em Sorocaba), casaram na cidade de Tietê, viveram um tempo
por lá e depois vieram para o Rio Grande do Sul. Nesse percurso, tiveram uma
penca de filhos (catorze, segundo a história oral da família), o último deles,
meu pai, nascido na cidade de Rio Grande.
Dos seus filhos, netos e bisnetos, não recordo de nenhum
se dizendo italiano – como às vezes se declaram outros descendentes de imigrantes –, mas
todos se orgulhavam e se orgulham da sua origem. Certa vez, numa reunião familiar (na praia do
Cassino, por volta de 1970, quando meu pai e a maioria dos seus irmãos ainda
eram vivos), alguém puxou uma conversa nostálgica a respeito da bela Itália,
suas paisagens bucólicas, o bom vinho, as grandes realizações culturais, e o
tio Victor lascou em tom de galhofa:
– Calma aí, que bobagem é essa?! Tá esquecendo que
nossos pais receberam um pontapé na bunda dessa bela Itália?
Em poucas palavras, esse tio estava sintetizando o
processo histórico da Grande Emigração Italiana para os Estados Unidos, Brasil
e Argentina, ocorrido entre os anos 1870 e a eclosão da Primeira Guerra
Mundial. A expulsão de milhões de italianos de sua terra natal. A debandada
daqueles que plantavam e ceifavam o trigo, mas não provavam o pão branco. Cultivavam
a videira, mas não bebiam o vinho. Criavam os animais, mas não comiam a carne.
As palavras desse tio foram tão contundentes, que
quem estava desfiando a conversa mole da Itália gentil se calou e saiu da sala.
Uma observação que me apresentou (eu era um guri de Ginásio) um modo de ver a imigração italiana no Brasil que,
certamente não deve estar longe da verdade.
– Nem papai nem mamãe falavam muito do que viveram
na Itália – me disse a tia Irani, muitos anos depois, quando eu procurava
reunir dados a respeito do passado da família. A tia não entrou em maiores
detalhes sobre o assunto e fiquei com a ideia de que meus avós não tinham boas
recordações de suas respectivas aldeias natais. Um mistério que até hoje me
intriga e que preencho com especulações.
Centro histórico de Vicenza. |
Em fevereiro de 2017, num tour pelo norte da
Itália, entre Veneza e o Largo de Garda, com um grupo de brasileiros (todos nós
descendentes de imigrantes, participando de um curso de língua italiana na
cidade de Castelraimondo), ouvi um comentário de um colega que me calou fundo. Estávamos
em Vicenza, acabáramos de realizar um passeio guiado pelo centro histórico da cidade, com
ênfase nas criações arquitetônicas (entre elas, as obras de Andrea Palladio, do
século XVI), e um colega me disse:
– Não era dessa Itália que a nona falava.
Estávamos no balcão de um café (nos deliciando com algum
saboroso macchiato, cappuccino ou caffelatte) e lembrei dos
meus avós: certamente não era a Itália das grandes criações de Andrea Palladio,
Michelangelo ou outro bambambã o país em que eles viviam. Afinal, como a grande
maioria dos que emigravam, eles eram os que não provavam o pão branco, o vinho
e a carne que ajudavam a produzir, muito menos usufruíam a riqueza cultural que
a sociedade local criava.
Foi um momento inesquecível. Na saída do café,
fotografei o local (foto abaixo) e me senti bem por estar ali. O Vêneto é terra
de origem de meu avô paterno e parecia que eu estava falando com ele,
conversando com meu pai também, e retornando a algo tão desejado quanto o reino de Ítaca por Ulisses. Cumprindo um estranho ritual de reabrir caminhos, fazer pontes e restabelecer vínculos com o passado.
Café, na cidade de Vicenza (Vêneto). |
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