– Foi desse homem que eu apanhei.
– Apanhou muito?
– Apanhei essa gripe. Tive um pouco de febre, mas já passou. Só ficaram esses espirros.
– Me mostra ele – o colega pede. – É teu namorado?
– Mais ou menos – ela diz, virando o celular para o amigo, apresentando a foto de um homem de cabelos brancos e um pequena barriga se destacando por cima do cinto das calças.
– Vocês estão se dando bem?
– Acho que sim – ela repete.
– Mas dias atrás ele quis me levar numa festa gauchesca, me mostrou a pilcha dele e eu não me controlei. Disse que achava aquilo muito atrasado, muito sem graça, sei lá.
– E o homem emputeceu, foi isso?
– Não, mas se ofendeu. Cheguei a dizer que esse negócio de pilcha farroupilha era horrível. Nem devia ter falado desse jeito, mas escapou. Perdi o controle.
– Pois é, quem é chegado no tradicionalismo e se pilcha na Semana Farroupilha se ofende quando alguém critica essa coisa toda.
– Isso aí. Ele se ofendeu e até disse que eu não amo o Rio Grande.
– E que isso de olhar torto para as comemorações da Revolução Farroupilha é coisa dos comunistas que estão infestando as universidades e fazendo guerra cultural, confere?
– Isto mesmo. Como é que tu sabes?
– Pela “lata” de tiozão dele. Tem todo o jeito de um sujeito conservador. Ele acampou na frente dos quartéis pedindo intervenção militar?
A mulher se levanta, vai ao balcão se servir de mais café, volta para a mesa e diz:
– É um homem das antigas, conservador. Mas vamos pular essa parte da política – ela acentuou. – A gente não fala muito nisso. O que importa é que estou gostando de lidar com um homem desse tipo. Com outra pegada, sabe? Eu estava me controlando, mas aí ele me mostrou a tal da pilcha, disse que queria me ver vestida naquele estilo... e eu estrilei.
– Vocês discutiram?
– Não, não chegamos a esse ponto. Mas nós alteramos. Pela primeira vez eu disse que não sou uma mulher convencional, que se vestir de prenda não faz o meu estilo, o meu jeito de ser, e ele se assustou.
– E a festa gauchesca que ele queria te levar?
– Eu desconversei naquela noite. Aí veio a gripe e eu aproveitei para dizer que ia ficar em casa, na cama, vendo Netflix.
– A gripe que tu apanhaste dele?
– Hahã.
– Gripe oportuna, hein?
– Isso mesmo. Não nos vemos desde que começaram as festanças da Semana Farroupilha e nesse tempo só trocamos mensagens.
– O tiozão entendeu o teu estilo, o teu jeito, então?
– Não sei. Me mandou uma foto dele todo pilchado, dizendo que ama o Rio Grande e as suas tradições.
– E tu?
– Eu respondi que eu também. Mas que estava gripada, com febre, acamada, sem disposição para festas. Quase falei que o Rio Grande esperasse por mim, mas me controlei.
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