sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Pilcha farroupilha

      Dois colegas de escritório, um homem e uma mulher, estão na cozinha da empresa sentados em torno de uma mesa, bebendo café, cada um com o seu celular diante dos olhos. A mulher espirra e diz:
     – Foi desse homem que eu apanhei. 
     – Apanhou muito? 
     – Apanhei essa gripe. Tive um pouco de febre, mas já passou. Só ficaram esses espirros. 
     – Me mostra ele – o colega pede. – É teu namorado? 
    – Mais ou menos – ela diz, virando o celular para o amigo, apresentando a foto de um homem de cabelos brancos e um pequena barriga se destacando por cima do cinto das calças. 
    – Vocês estão se dando bem? 
    – Acho que sim – ela repete. 
    – Mas dias atrás ele quis me levar numa festa gauchesca, me mostrou a pilcha dele e eu não me controlei. Disse que achava aquilo muito atrasado, muito sem graça, sei lá. 
    – E o homem emputeceu, foi isso? 
    – Não, mas se ofendeu. Cheguei a dizer que esse negócio de pilcha farroupilha era horrível. Nem devia ter falado desse jeito, mas escapou. Perdi o controle. 
    – Pois é, quem é chegado no tradicionalismo e se pilcha na Semana Farroupilha se ofende quando alguém critica essa coisa toda. 
    – Isso aí. Ele se ofendeu e até disse que eu não amo o Rio Grande. 
    – E que isso de olhar torto para as comemorações da Revolução Farroupilha é coisa dos comunistas que estão infestando as universidades e fazendo guerra cultural, confere? 
    – Isto mesmo. Como é que tu sabes? 
    – Pela “lata” de tiozão dele. Tem todo o jeito de um sujeito conservador. Ele acampou na frente dos quartéis pedindo intervenção militar? 
    A mulher se levanta, vai ao balcão se servir de mais café, volta para a mesa e diz: 
    – É um homem das antigas, conservador. Mas vamos pular essa parte da política – ela acentuou. – A gente não fala muito nisso. O que importa é que estou gostando de lidar com um homem desse tipo. Com outra pegada, sabe? Eu estava me controlando, mas aí ele me mostrou a tal da pilcha, disse que queria me ver vestida naquele estilo... e eu estrilei. 
   – Vocês discutiram? 
   – Não, não chegamos a esse ponto. Mas nós alteramos. Pela primeira vez eu disse que não sou uma mulher convencional, que se vestir de prenda não faz o meu estilo, o meu jeito de ser, e ele se assustou. 
   – E a festa gauchesca que ele queria te levar? 
   – Eu desconversei naquela noite. Aí veio a gripe e eu aproveitei para dizer que ia ficar em casa, na cama, vendo Netflix. 
   – A gripe que tu apanhaste dele? 
   – Hahã. 
   – Gripe oportuna, hein? 
   – Isso mesmo. Não nos vemos desde que começaram as festanças da Semana Farroupilha e nesse tempo só trocamos mensagens. 
   – O tiozão entendeu o teu estilo, o teu jeito, então? 
   – Não sei. Me mandou uma foto dele todo pilchado, dizendo que ama o Rio Grande e as suas tradições. 
   – E tu? 
   – Eu respondi que eu também. Mas que estava gripada, com febre, acamada, sem disposição para festas. Quase falei que o Rio Grande esperasse por mim, mas me controlei.

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