quarta-feira, 25 de setembro de 2024

A Imperatriz Leopoldina

 

Quem passeia por museus ou exposições de arte sabe: tem obras que puxam os olhos da gente. Pois a visita que fiz ao Museu do Ipiranga, dias atrás, não fugiu a essa regra. Entrei no Salão Nobre do museu, onde se encontra a grande tela de Pedro Américo, “Independência ou morte!”, e o que me chamou mais atenção foi um quadro da Imperatriz Leopoldina, rodeada pelas quatro filhas e com o futuro imperador D. Pedro II no colo.

Na frente da famosa tela da “Independência...” o meu olhar vagou pelas figuras solenes do então Príncipe Regente e sua comitiva, se fixou no tropeiro no canto à esquerda, que observa espantado para aquele bando de cavalarianos gritando entusiasmado, e na sequência pousou no quadro da Leopoldina.

"Retrato de D. Leopoldina de Habsburgo e seus filhos" (1921),
de Domenico Failutti.

Ela não era uma mulher bonita e o artista que a pintou não dourou a pílula. Se bem que deu um toque de vivacidade à imperatriz, tornando-a muito simpática. Um quadro que Afonso Taunay (o diretor do Museu na época do 1º Centenário da Independência) mandou pintar em 1921 para reconfigurar a sala. Um quadro colocado na parede à esquerda da famosa tela de Pedro Américo, enquanto na outra parede, à direita, encontra-se um quadro representando Maria Quitéria. As duas, uma rainha e uma mulher-soldado, dando o toque feminino ao processo de emancipação política festejado naquela sala.

Leopoldina era uma princesa do Império Austríaco (filha do imperador Francisco I) que veio para o Brasil em 1817 (com 20 anos) casar-se com o príncipe D. Pedro (naquela altura, o futuro rei de Portugal). A mulher viveu nove anos no Brasil, engravidou nove vezes, sofreu dois abortos e pariu sete filhos. Cinco sobreviveram. Era uma princesa educada para ser rainha e sabia muito bem o papel que devia exercer, isto é, “fazer filhos”.

Li o livro da historiadora Mary Del Priore, “Leopoldina & Maria da Glória: duas rainhas: vidas e dores”, e fiquei impactado com a trajetória da imperatriz.[1] Neste livro, a autora recria a voz da filha primogênita de Leopoldina, Dona Maria da Glória (1819-1854, rainha de Portugal a partir de 1834), e faz ela narrar a vida da mãe. Uma estratégia narrativa que funciona. Tanto permite uma compreensão da trajetória íntima de Leopoldina (suas aspirações, o casamento, as frustrações) quanto da sua ação política a favor da independência do Brasil e do estabelecimento da monarquia.

Segundo a narrativa ficcional empregada, Leopoldina se colocou na posição de ter “quantos filhos pudesse” com o marido imperador. Ao casar aspirava “amor, afeto e compreensão” e o prazer sensual não estava no seu horizonte. Entendia o casamento como um sacerdócio, um encontro mais de almas do que de corpos, salvo para procriar, e mesmo frustrada devido a rudeza e indiferença do marido, não deixou de cumprir o seu dever. Em 1826, aos 29 anos, morreu de tanto engravidar. Uma trajetória, ao que tudo indica, comum às mulheres de sua época.

Quanto ao comportamento político, Leopoldina compreendeu bem as relações entre Brasil e Portugal (a emancipação política da antiga colônia era inevitável), se colocou a favor da independência e, principalmente, defendeu a adoção do sistema monárquico. Neste último aspecto, visando garantir a continuidade da sua família no poder. Pautava-se pelo ideário tradicional (o absolutismo monárquico, no qual fora criada) e seu envolvimento com o ideário liberal era apenas de fachada.

No Salão Nobre do Museu do Ipiranga, foi a Imperatriz Leopoldina que ganhou a minha atenção, deixando o ilustre marido em segundo plano (apesar de ele ser a figura central da narrativa visual apresentada como indiquei na crônica anterior). Certamente foi o livro da Mary Del Priore (que começara a ler dias antes) que ascendeu o meu interesse pela personagem. No livro, Leopoldina é descrita como uma mulher que sofria “ingratidões e desgostos” e se resignava ao seu papel de rainha: engravidar e parir sem pestanejar e fazer política quando isso fosse possível.



[1] DEL PRIORE, Mary. Leopoldina & Maria da Glória: duas rainhas: vidas e dores. RJ: José Olympio, 2024. 112 p.

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