Na última Feira do Livro de Santa Maria, o
professor Ronai Rocha lançou Filosofia da Educação (Editora Contexto, 158
pág.), uma das cinco obras mais vendidas no evento. Livro constituído por dez capítulos
densos sobre o espinhoso tema da educação e escrito com as ferramentas da
filosofia. Aristóteles, Kant, Rousseau e Hannah Arendt são citados diversas
vezes, constituindo-se em referências constantes. Tema difícil, como o próprio
autor indica e que ele procura amenizar desenvolvendo suas reflexões na forma
de uma conversa com o leitor. Mas uma conversa na qual todos os pontos
abordados são destrinchados conceitualmente e, aos poucos, vão se articulando e
evidenciando um complexo entendimento do que o autor considera o essencial na
educação, na pedagogia, na didática, no currículo e, especialmente, na escola. Haja
fôlego para segurar o rojão. Conversa aparentemente amena, mas na qual não
faltam provocações. Afinal o autor sabe que está em terreno minado e não deixa
de encarar as polêmicas que envolvem o tema. Mas faz isso sem explicitar as apaixonadas
discussões que os especialistas da área travam entre si. Apaixonadas e
raivosas, eu acrescentaria. E o leitor que tiver algum trânsito na área certamente
perceberá isso.
Ao iniciar o livro, Ronai indica que, essencialmente, a educação diz respeito às relações entre uma geração de adultos e uma geração de crianças, relações que tratam da transmissão dos conhecimentos, habilidades e valores acumulados pela Humanidade. Com isso, desloca uma questão que muitos consideram o ponto de partida para pensar a educação, isto é, a de responder politicamente qual homem e sociedade queremos construir. O autor não ignora essa abordagem, mas, como se propõe a olhar as coisas a partir da “torre mais elevada no terreno”, vai deixá-la em segundo plano. Assim, ao longo de uma abordagem minuciosa, vai refinando, capítulo a capítulo, uma compreensão da educação que enfatiza a experiência formativa das crianças e as tarefas que cada geração precisa dar conta se pretende a continuidade da vida humana.
Apenas no último capítulo, o autor retoma o tema
das relações entre educação e política, muito cara à pedagogia contemporânea. No
quadro dos debates educacionais e da formação de professores, arrisco afirmar
que o autor vira o jogo. Mesmo que seja, como ele próprio diz, apenas recolocando
o que, desde séculos, os filósofos entenderam como essencial na educação: a transmissão
dos saberes acumulados e a preocupação com o cuidado e a formação das crianças.
A escola pensada como um local privilegiado da formação e socialização das
crianças, no qual elas se encontram numa relação assimétrica com os adultos,
devido ao fato de não serem (ainda) pessoas completamente desenvolvidas.
Contrapondo-se aos pensadores da educação que privilegiam
as ações educativas como políticas, o autor estabelece uma compreensão da
escola como pré-política, afinal as crianças ainda não estão habilitadas para o
jogo da política, uma atividade do mundo dos adultos. A política consta do
acervo de conhecimentos que devem ser transmitidos na sala de aula, mas o tema
deve chegar pelas mãos da didática, tal qual a língua portuguesa e a
matemática.
As professoras formadas até as décadas de 1960 e 70
certamente dirão que autor não afirma nada de novo. “Crianças são crianças, ora
bolas!” – escuto minhas antigas mestras falarem – “elas não podem ser tratadas
de igual para igual pelos adultos, pelo simples fato de que ainda não estão suficientemente
crescidas”. Muito menos serem abaladas pelas paixões político-partidárias dos
professores e educadores.
Um livro escrito para professores e estudantes dos cursos de licenciatura, recolocando questões essenciais da educação. Livro de linguagem descomplicada (se pensarmos em livros de Filosofia) - uma conversa, diz o autor repetidas vezes -, mas que é nitroglicerina pura, não tenho dúvidas. Eu, ao menos, li desse jeito, tendo em mente o modo como aqueles que se consideram progressistas encaram uma proposta (como a de Ronai Rocha) de recolocar a educação nos trilhos tradicionais, defendendo a escola como local distanciado das discussões políticas e priorizando a transmissão dos conhecimentos acumulados pela Humanidade. Uma proposta que parecerá, a muitos, como conservadora, mas que para outros tantos soa como simplesmente necessária frente ao estado de ineficácia da atual educação brasileira, que tem se revelado incompetente na formação das novas gerações.
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