Releio o
que escrevo a respeito das minhas viagens e fico com receio de que o
leitor me veja como chato (um chato de galochas, como se dizia décadas atrás). Afinal
meus relatos enfatizam andanças por igrejas e museus, são recheados de considerações
sobre História, Arte e Religião (assim mesmo, com maiúsculas) e há pouco espaço
para vivências divertidas, em restaurantes e casas de espetáculos, por exemplo.
Ora, um sujeito
atravessar o Atlântico e gastar horas e horas com as representações do martírio
(tão caras ao Catolicismo), com quadros e esculturas em museus e se embasbacar com
as marcas da História! Há coisas melhores pra se fazer, dirá alguém com mais bom humor.
Mas acho
que não sou apenas um chato, insisto nisso.
Na
primeira vez em que estive em Lisboa (em 2012), fui à um show de fado e isso
estava no roteiro acertado com a agência de viagem. Um carro bacana veio buscar
minha mulher e eu no hotel, nos levou até a Rua da Misericórdia, para o
espetáculo, e depois havia um jantar no restaurante do Teatro São Carlos.
Rua da Misericórdia (foto de 2018). |
O show
foi uma imersão no mundo do fado (a primeira parte, bem melancólica, com um
fado raiz; a segunda, mais leve e agradável) e depois fomos caminhando até o restaurante,
quatro quadras de onde estávamos. Uma noite fria, com as ruas praticamente
vazias, a Rose assustada e eu inebriado, sem exagero, nós dois andando abraçados
e escutando o som dos próprios passos.
O restaurante
era em alto estilo, com decoração em tons vermelhos, pouca luz, comida saborosa
e, de repente, um artista tenta nos vender uns quadros horríveis. De pé diante
da nossa mesa, ele conta uma história triste (tinha vivido em Paris, fora
obrigado a voltar, vivia atualmente de modo precário, injustamente sem
reconhecimento) e precisei pedir auxílio ao garçom para me livrar do homem. A Rose
ficou sensibilizada com a performance do sujeito (alterado, olhos vermelhos,
dentes estragados, trajetória infeliz marcada pelo alcoolismo) e chegou a
cogitar que poderíamos comprar algum trabalho dele.
Restaurante do Teatro São Carlos (foto de 2018). |
O garçom nos
disse que ele iria nos esperar na saída e nos auxiliou a escapar, chamando um
táxi, cuidando para ver se ele nos aguardava e dando o sinal verde para sairmos
apressados. Um clima de filme, uma boa história pra contar, depois que passou.
Outra vez,
em Roma, fui assistir a uma ópera e sentaram na mesma fileira onde eu estava quatro
senhoras norte-americanas que pareciam pouco
entender do que se passava no palco. Era uma apresentação de La Traviata e, no
intervalo que antecede ao último ato, elas se levantaram para ir embora. Mas me
viram calmamente sentado e uma delas me perguntou se a peça tinha terminado. Eu,
num inglês macarrônico, expliquei que ainda faltava a morte de Violetta, a
heroína da história, elas me olharam de um jeito estranho e voltaram a se sentar.
Mais
tarde, quando Violetta caiu morta na cama, senti que uma delas se virou para mim,
sorriu e achei que estava me agradecendo. Como elas poderiam voltar para casa
ser assistir a heroína morrer!
Histórias
que gosto de lembrar para dizer a mim mesmo que não sou apenas um chato que
visita igrejas, museus, palácios e castelos. Também vou a espetáculos de fado e
de ópera, nem todos especificamente voltados para turistas, frequento um e
outro restaurante bacana, bebo vinhos variados (nem todos de alta qualidade), escapo
de artistas de rua e também converso (ou tento conversar) com velhas turistas
americanas.
Vivencio um pouco de tudo, acho eu, entre uma igreja e um museu.
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