Na primeira vez que fui a Évora, em fevereiro de 2015, não deu para visitar a Capela dos Ossos. Estava com a Rose (minha ex-mulher) e, quando chegamos ao Convento de São Francisco (no qual se encontra a capela), havia encerrado o horário de visitas.
Estávamos
hospedados em Lisboa e fomos a Évora de ônibus, no meio da manhã. Almoçamos no
Fialho, fomos até a praça onde se encontram as ruínas do Templo de Diana, visitamos
o museu ao lado, seguimos depois por ruas estreitas (orientados por um mapa comprado
numa loja de souvenires), mas quando demos as caras no Convento... cerrado.
Essas coisas de turistas sem planejamento, mas mesmo assim um passeio
inesquecível.
Rose se
lembra até hoje que ficou com os pés doloridos. Calçava umas botas de solado pouco
adequado para uma pernada de dia inteiro e diz que nunca mais vai repetir uma
coisa dessas, isto é, usar um calçado estiloso ao invés de um outro, apenas
confortável.
Voltei a
Évora em outubro de 2019 e, aí sim, encontrei o Convento e Igreja de São
Francisco abertos à visitação. Recordo que foi uma família de portugueses que me levou até o local. Eu me enturmara com ele durante o almoço (num restaurante de mesas na calçada) e eles, ao final da refeição, me deixaram
na frente do Convento. Estava sozinho, com o mesmo mapa que adquirira anos antes,
e tenho a impressão de que não acharia o local com facilidade. Cidade de
traçado medieval, difícil para um sujeito como eu se localizar.
A Capela
dos Ossos é um local de pouco menos de 20 metros de extensão e tem uma peculiaridade
assombrosa: suas paredes estão revestidas por ossos humanos (mais ou menos 5
mil, segundo a Wikipédia) cravando na mente do visitante a dura lembrança da
morte. Foi construída no século XVII, por monges franciscanos, dedicada ao
Senhor dos Passos e orientada pela doutrina do Concílio de
Trento. Uma doutrina severa, que acentua a transitoriedade da vida frente à Eternidade,
indicando que esta última é que deve ser a preocupação central do cristão. Ora
a vida e seus prazeres!
Portal de entrada da Capela dos Ossos. |
Além do dístico
famoso gravado no alto da porta da capela – “Nós ossos que aqui estamos pelos
vossos esperamos” –, no interior estão reproduzidos os versos de um religioso
do século XIX que refletem bem o catolicismo tradicional e sombrio que se
vivencia ali dentro: “Caveiras descarnadas / São a minha companhia, / Trago-as
de noite e de dia / Na memória retratadas; / Muitas foram respeitadas / No
mundo, por seus talentos / E outros vãos ornamentos. / Que serviram à vaidade,
/ E talvez... na Eternidade / Sejam causa de seus tormentos.”
Detalhe das paredes da Capela dos Ossos. |
Ao visitante atento não há dúvida de que a Morte é o principal tema a ocupar os pensamentos do cristão e ficar com o cenho franzido me parece ser a reação mais comum dentro da igreja. Eu fiquei consternado: que catolicismo terrível orientou a fundação da Civilização Ocidental, pensei. Entretanto, logo na saída, o visitante que olhar com atenção o painel de azulejos na sua frente se deparará com um sopro de vida: a representação de um casal em dois momentos de êxtase com o filho pequeno. Uma lufada de vida, dos encantos da vida, depois do bafo de morte que a capela nos proporciona.
Painel de azulejos, de Álvaro Souza. |
São os azulejos de Álvaro Souza, uma “alegoria à vida em oposição à morte”, conforme está escrito na legenda presa na parede. São José e a Virgem Maria com o Jesus Menino nos braços, certamente. Não encontrei a data da criação do painel, mas, sem dúvida (pelos traços dançantes das figuras representadas,) uma obra moderna, orientada pela doutrina de um outro momento do catolicismo, aquele inaugurado pelo Concílio Vaticano II, na década de 1960.
Um
catolicismo que reconhece o que há de prazeroso na vida (ou, ao menos, não
teme alguns prazeres da vida) e que indica algumas das transformações
que ocorreram nas últimas décadas. Mudanças que, um dia, acreditei pudessem
apontar dias melhores para a Humanidade e que, hoje, nem sei
mais. Mas que, sem dúvida, ainda me deixam impactado (até esperançoso) e fizeram com que essa
visita a Capela dos Ossos se tornasse agradável, sempre agradável de recordar. Uma síntese dos embates do Catolicismo.
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