Pelotas se transformou num território mítico para mim. Deixei a cidade com onze anos, em 1967, e toda vez que volto tenho surpresas. Muito bom rever a cidade e perceber que ela se modifica, mas alguma coisa permanece a mesma, eterna... Vá entender.
No início da década de 1980, recém casado, fui passear
na cidade e me hospedei na casa de meus avós maternos. Lembro que tirei uma
foto da minha mulher (Maria da Graça) numa das janelas da casa, com uma
almofada apoiando os braços, olhando a rua, tal e qual eu vira na infância. Naquela época, mulheres olhando a rua da janela de suas casas era uma cena comum na Zona do Porto, a região da cidade dos meus avós, a região da cidade onde
vivi quando criança. Uma foto que não sei onde está, preciso encontrá-la.
Rever a cidade naquele ano foi uma experiência e tanto,
importante para a nova etapa que eu estava encarando: a do casamento. Pouco
tempo depois meu avô morreu, eu me tornei pai de uma menina, minha avó foi
morar em Porto Alegre com a sua mãe e, na sequência, esclerosou. Esse o
diagnóstico da época: esclerose. Não se falava em Alzheimer.
Trinta e poucos anos depois voltei para os noventa
anos de uma tia (irmã do meu pai) e era outra cidade. Ou melhor, eu é quem era
diferente. Me tornara pai de dois filhos (eles foram à festa comigo), estava
casado com outra mulher (Rose) e Pelotas se desenhou de outra maneira. Passear
na cidade com meus filhos e a Rose foi uma vivência tremenda e rimos muito. Eu
queria contar o que tinha vivido ali e alguma coisa soava estranho e engraçada
ao mesmo tempo. A casa de esquina em que minha família morara permanecia de pé,
eu mostrava isso para os meus filhos, mas acho que era outra coisa que eles
viam...
A cidade mudara. Como mudou também nos últimos anos,
conforme constatei quando estive lá, dias atrás. A mesma Praça Coronel Pedro
Osório com o Chafariz das Nereidas, mas outra coisa. E, quando passei por dentro da praça, bem junto ao chafariz, acompanhei um episódio que me
virou ao avesso.
Presenciei uma cena de mãe e filho comovente. O
menino tinha uns sete anos e quis brincar com um cachorro que não era seu. Alguma
coisa aconteceu entre os dois que fez o guri se assustar e ele correu chorando
para o colo da mãe. A mulher examinou o filho com carinho, procurando sinal de
mordida (levantou a blusa, abaixou as calças), mas não constatou coisa alguma. Enquanto
isso, o rapaz que era dono do cachorro tratava de mostrar para o guri que o
bicho não quisera fazer mal algum. Ao final, o menino passou a mão na cabeça do
cachorro, parou de chorar e eu respirei aliviado.
Aquele local da praça também foi meu território de
brincadeiras e me identifiquei com o guri, com o susto que ele levou.
Na década de 1960, meus pais se sentavam num daqueles bancos no entorno do chafariz
e meus irmãos e eu corríamos pela praça. Nunca houve um episódio em que me
assustei e me refugiei no colo da mãe, mas acho que foi isso que senti: eu poderia
ser aquele menino. Seu choro, o medo que ele sentiu, me cortaram a alma.
Chafariz das Nereidas (foto s/ autoria, encontrada em sítio sobre Pelotas). |
Uma vivência que só Pelotas consegue me proporcionar. Sinceramente não sei entender. Mas
desconfio que as ninfas do mar (as nereidas representadas em bronze no
chafariz da praça) têm alguma responsabilidade nisso. São figuras da mitologia, não dão bola para o tempo nem para a racionalidade alguma, e às vezes enfeitiçam os visitantes distraídos.
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