Quem foi professor do Magistério Estadual do Rio
Grande do Sul dificilmente esquece a greve de 1987. Durou mais de três meses. No
meio desse movimento, para demarcar o espírito de luta da categoria, o comando
de greve decidiu fazer um acampamento na Praça da Matriz, em frente ao Palácio
Piratini. Era o primeiro ano do Governo Pedro Simon e os professores cobravam o
cumprimento de um acordo de greve, feito durante o governo anterior (de Jair
Soares), o qual estabelecia que o piso salarial da categoria seria de 2,5
salários mínimos. Em números de hoje, seria um piso de R$ 2.597,00 (considerando
o salário mínimo nacional de R$ 1.039,00), abaixo do piso nacional do
magistério estabelecido em janeiro desse ano (R$ 2.886,00).
Foi uma greve de enorme adesão. Eu morava em Porto
Alegre, lecionava em duas escolas estaduais (uma na Cidade Baixa, outra no
bairro Rubem Berta), e participei das manifestações na Praça da Matriz,
inclusive passei algumas noites no acampamento. Tinha certeza de que sairíamos
vitoriosos, mas fomos derrotados. Na verdade, destroçados. Se pensarmos o amplo
movimento do magistério desde o final dos anos 70 (a partir da greve de 79),
foi um ponto de virada. A categoria nunca mais foi a mesma. Para a minha
geração, que ingressou no Magistério e na luta sindical no final dos anos 70 –
e acreditou que a redemocratização era também a recuperação econômica dos assalariados
em geral –, foi uma dura aprendizagem.
Relembro esse episódio porque o jornal Zero Hora
tocou no assunto dias atrás, ao publicar uma longa reportagem sobre os 90 anos
de Pedro Simon.[i] Como não
podia deixar de ser, a greve de 1987 foi abordada. Segundo a reportagem, “o
magistério entrou em greve por mais de 90 dias devido ao não pagamento de um
aumento salarial deixado pelo antecessor Jair Soares”. Nas palavras de Cezar
Schirmer (que era Secretário da Fazenda em 87), “[v]incularam o piso dos
professores a dois salários mínimos e meio. Era impagável e inconstitucional”. E,
para arrematar, Pedro Simon declarou ao jornalista: “a Assembleia [Legislativa]
votou aumento salarial [dos professores] que não tinha como pagar. (...) Não
paguei e a greve estourou.”
Página do jornal Zero Hora a respeito da greve de 1987 e do governador do Estado. |
Escrevi e-mail ao jornalista afirmando que o entendimento
de quem viveu o movimento grevista não é o configurado pela reportagem. O
Magistério Estadual não cobrava um pagamento deixado por Jair Soares. Cobrava um
acordo de greve, aprovado pela Assembleia Legislativa, com amplo apoio da
bancada peemedebista. A vinculação do piso da categoria a 2,5 salários mínimos foi
uma reivindicação dos professores que teve endosso do PMDB, inclusive com um inflamado
discurso do então deputado Cezar Schirmer no plenário da Assembleia. Durante a
greve, trechos desse discurso foram escritos num cartaz e pregado numa árvore
da Praça da Matriz.
Em 87, quando o PMDB se tornou governo, o partido
mudou o entendimento a respeito das reivindicações do Magistério e Pedro Simon
expressou isso de forma brutal. Não pagou e pronto. Deixou o
Magistério ir à greve, não cedeu e venceu. Como me disse um peemedebista tempos
depois: “o governo não podia ficar refém do Magistério”. Que derrota! Que derrota
a categoria viveu!
Enviei um e-mail ao jornalista da Zero Hora,
autor da reportagem, expressando esse entendimento de velho professor.
Não recebi resposta e provavelmente não receberei. Não importa. Jamais esquecerei o que vivi naquele tempo e entendo que meu entendimento não está errado.
No dia em que a categoria encerrou a greve, voltei a Praça da
Matriz com meus colegas e desarmamos o acampamento. Ao meu lado, um colega aguerrido continha as lágrimas com muito esforço e me lembro disso até hoje. Seu esforço
para controlar a emoção, conter a dor e manter a dignidade me parece um retrato
do Magistério Estadual. Da sua constante humilhação e do seu incontido idealismo. O outro lado da lógica brutal que os governos do Rio Grande do Sul têm utilizado para lidar com as demandas dos professores.
[i] ROLLSING, Carlos. 90 anos de conciliação. Zero Hora, Porto Alegre, 1º e
2 de fev. 2020, p. 14-16.
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