O ano de 2019 me proporcionou belas surpresas, alguma
delas vividas em museus e sítios arqueológicos. Experiências que até agora procuro
assimilar. Uma delas ocorreu na chamada “Piazza Navona Underground”, isto é,
nos subterrâneos da famosa praça. Um sítio arqueológico que permite conhecer
parte do Estádio de Domiciano, construído no final do século I d.C.
Entrada do sítio arqueológico. |
O visitante desce alguns degraus e pronto: pode
circular pelos arcos e paredes da antiga construção romana. Foi ali, num dos
arcos desse estádio, que a jovem Inês foi sacrificada por sua adesão ao
Cristianismo (a jovem transformada em santa e até hoje homenageada numa grande
igreja na praça).
O estádio foi construído no então Campo de Marte (região
da cidade que abrigava os exercícios militares no tempo da Roma Republicana) e
consta que foi a primeira construção feita especialmente para a prática e
exibição atléticas. Tinha uma arena de 200 metros ou mais (ver foto da maquete),
o espaço hoje ocupado pela Piazza Navona.
Maquete do Estádio de Domiciano. |
O visitante pode alugar um audiofone em língua
portuguesa e se deliciar. Foi o que fiz, tentando imaginar o que foi a Roma
Imperial que usufruiu esse espaço (que comportava uma plateia de 15 a 20 mil
pessoas) e o que aconteceu com o local ao longo do tempo.
No final do Império o estádio já não era mais
utilizado para práticas atléticas e foi ocupado por lojas e habitações. Ao longo
da Idade Média e do Renascimento sofreu lenta deterioração e grande parte de suas
pedras serviram para as mais diversas construções, como igrejas e palácios da Igreja
Católica. Depois as ruínas foram sendo soterradas e sobre elas se ergueram as habitações,
palácios e igreja, que constituem o entorno da praça.
Um prazer enorme esse de acompanhar as transformações
ao longo do tempo, isto é, as construções da Roma Imperial no subsolo da praça
e, subindo à superfície, visitar os prédios do Mundo Moderno, como a Igreja de
Sant’Agnese in Agone e o Museu de Roma (antigo palácio de uma família papal, do
papa Pio VI). Um prazer que a cidade se esmera em proporcionar.
Ainda dentro do sítio arqueológico dedicado ao “Stadio
de Domiziano” encontrei uma exposição temporário curiosa: “L’arte dell’amore
non violento nell’antica Roma”. Roma não se caracterizou por práticas sexuais amorosas
segundo alguns historiadores (devido ao fato dos casamentos serem realizados por homens maduros com mulheres jovens, essas obrigadas ao contrato matrimonial), mas os curadores da exposição aventam outra hipótese:
a de que a Roma Antiga tem muito a ensinar ao mundo contemporâneo em relação às
práticas sexuais. Para evidenciar isso, a exposição de reproduções e de algumas
peças da arte erótica greco-romana.
Sem dúvida alguma um tema instigante. O Mundo Antigo não
tinha os pudores que a Cristandade instaurou em relação à sexualidade e
fartou-se em produzir representações de corpos nus para serem exibidos e
admirados. A Vênus Calipígia, a deusa “dal bel sedere” (da bunda bonita), é uma
comprovação disso. Uma cultura que valoriza as nádegas de mulheres e homens é,
se pensarmos do ponto de vista da Civilização Ocidental (marcada pela rígida
moralidade cristã) algo admirável.
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Vênus Calipígia. |
E, nesse sentido, concordo com os curadores da exposição:
a Roma Antiga ainda tem muito a nos ensinar. Ao que tudo indica, sua arte
erótica tinha ampla circulação, não estava restrita ao submundo, e isso deve
ter proporcionado bons resultados. Até na esfera religiosa estava presente esse
erotismo, como demonstra a famosa Vênus que, na escultura, dá uma viradinha
para apreciar sua “sedere”. Algo muito distante na mitologia cristã, na qual as
divindades femininas são todas virginais – ou, se um dia praticaram sexo, se
arrependeram (como a lendária Maria Madalena).
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"Scena di accopiamento da una caupona [restaurante] pompeiana." |
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