sexta-feira, 19 de julho de 2024

Conversa entre homens

 

É uma conversa entre homens numa casa comercial de vinhos. Uma conversa sobre a imigração italiana, vinhos e mulheres. Imigração na Serra Gaúcha, vinhos e mulheres da mesma região. Três homens originários da imigração italiana, descendentes dessa gente que veio para o Brasil no final do século XIX, graças às políticas do Império que visavam povoar a encosta da serra. Três homens que vou chamar de Pedro (50 anos), Joel (68) e André (70), todos eles com infância na zona colonial. Pedro, um professor universitário; Joel, comerciante, e André, funcionário público aposentado.

– Nossos antepassados vieram ocupar uma terra que não tinha serventia para a pecuária – diz André, o mais velho entre os três. – Sofreram muito. Era tudo mato e sem ninguém habitando.

– Havia índios – corrige Pedro, o professor – que os bugreiros trataram de liquidar ou empurrar para longe. Peleia braba que ninguém conta.

Os outros dois se olham, não dizem nada. Não sabem coisa alguma sobre os índios. Os bisavôs tiveram acesso à terra (lotes que pagaram a longo prazo) e nunca falaram a respeito dos primitivos habitantes da região. Ou, se falaram, o assunto se perdeu. Ficaram apenas as histórias a respeito da trabalheira que foi desmatar os lotes e colocar aquela terra a produzir.

– Na virada do século XIX para o XX, eles começaram a produzir vinho – afirma Pedro. – Um vinho artesanal, para consumo local. Depois quiseram comercializar para fora da zona colonial e não deu certo. O produto não suportava o transporte, perdia qualidade, azedava mesmo. Foi preciso a intervenção de agências estatais, voltadas à melhoria da agricultura, para a coisa mudar.

André, que é da opinião de que o Estado só atrapalha, torce o nariz, diz que não é bem assim:

– O empreendedorismo dos imigrantes sempre foi muito forte, Pedro.

– Não nego. Mas sem o empurrão do Estado a coisa não andaria pra frente. Dizer isso não é desvalorizar nossos antepassados.

– Pois é, o vinho era ruinzinho – reconhece Joel, com sua experiência comercial – e bebemos muito esse vinho ruim. Assim como tivemos mulheres que... também careciam de mais qualidade – ele arremata, rindo.

– Mas as coisas mudaram – opina André, aposentado e divorciado. – As mulheres estão diferentes. Eu ando saindo com uma guria nova e estou percebendo isso. Ela tem quarenta e um anos, e muito topete. É independente e cheia de ideias. Tem opinião sobre tudo, infelizmente de esquerda. Mas é mulher de fino trato.

– Originária da Colônia? - pergunta Pedro.

– Sim, bisneta de imigrantes. Mas nasceu e cresceu na cidade, é professora e nunca deu comida pra porcos.

Os três riem, um lembra as madrugadas em que saia para tirar leite das vacas, o outro das bolhas nas mãos devido ao uso da enxada e o terceiro dos porcos mesmos, do serviço para alimentá-los. 

– Mas ela tem o mesmo pedigree que nós – adianta André, orgulhoso de estar andando com uma mulher trinta anos mais moça. - O mesmo pedigree, mas em carne nova. – E acrescenta com certo pesar: – Só que na hora do vamos ver... é muito arisca, bem do jeito como se comporta o mulherio da Colônia. Ela não se solta, sei lá. Lembra a minha ex-mulher nesse quesito. Com a diferença de que é mais ajeitada, tem mais trato, é cheia de opiniões e, fundamental, a bunda e os peitos tão durinhos, o que é muito estimulante.

Os outros riem e um deles diz o inevitável nestas circunstâncias:

– Tá podendo, hein?

André retoma a sua ideia sobre o comportamento das mulheres da Colônia e comenta:

– Acho que este é o perfil do sexo feminino na nossa região, especialmente entre aquelas da nossa faixa etária, as que nasceram nas décadas de 50 e 60. Um produto muito judiado, que merecia ter tido melhor trato. As avós faziam sexo por obrigação, passavam isso para as filhas, para as netas. Todas recatadas, todas fazendo cu doce na cama.

– É uma tese – diz Pedro, o professor, fazendo de conta que está batendo palmas. – Mas o mundo gira, os costumes mudam... E as mulheres estão mudando neste “quesito”, para usar a tua expressão. Vocês lembram o que era uma mulher separada décadas atrás? Se ela mostrasse que gostava da coisa, se saísse trepando, era um escândalo. Hoje, não.

– O mundo era muito injusto com as mulheres. E nós, homens, não as tratamos bem. Temos de reconhecer isto – acrescenta Joel. – Este é o meu entendimento. As coisas começaram a mudar, a partir dos anos 90, penso eu, e desde então estamos aprendendo.

– Aprendendo com as mulheres, tu queres dizer? – pergunta André, admirado.

– Sim, com as mulheres – responde Joel. – Às vezes tenho a impressão de que elas saíram da toca e só então passamos a ver como elas são.

– Será que ainda temos tempo para isso? – pergunta André, o mais velho. – Isto é, tempo para ver, aprender e experimentar? A medicina tem nos ajudado a manter o vigor... mas não sei quantos anos ainda tenho pela frente. Às vezes eu olho aquela bichinha na minha cama e tenho vontade de começar tudo de novo.

– Casar? – pergunta Pedro, espantado.

– Sim. Se ela não fosse tão arisca na cama, eu era capaz dessa loucura.

– É vinho de boa pipa, então? Amadeirado e com notas de pera da Pérsia, confere? – debocha Joel. – Juro que não acredito que tu farias uma coisa dessas.

– Não, não vou fazer – adianta André. – É muito arriscado na minha idade. No final do ano emplaco 71 e não dá pra me aventurar. Só estou gostando da experiência, da carne nova, e até do jeito opinativa dela, toda esquerdinha, uma comunista. No resto, é parecida com minha ex-mulher, como já disse.

Joel pega uma garrafa de merlot e acrescenta:

– Vai passar, então. É coisa passageira.

Joel e Pedro dão tapas nas costas do amigo.

– Aproveita enquanto dá – diz um.

– Vai com tudo – fala o outro.

Depois os dois afirmam que as loucuras passam e voltam ao tema dos vinhos. Escolhem garrafas nas prateleiras, examinam os rótulos.

– Felizmente os vinhos da Serra melhoraram – diz um.

– Mais os brancos do que os tintos. Especialmente os espumantes – acrescenta outro.

– E isso, de forma moderada, nós podemos encarar sem medo – sintetiza Pedro.

– Ainda temos tempo de vida para tanto – acrescenta Joel, assinalando os seus 68 anos. – Mas tu, Pedro, guri de 50 anos, ainda nem sabes o que é velhice. Deixa chegar os 70, como nosso amigo André, pra ver como é que é. Eu ainda não sei o que é velhice - acrescenta, debochando de si mesmo.

Os três riem. Os três enchem uma caixa de vinhos cada um, se despedem e deixam a casa de bebidas.

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