Estive em Uruguaiana no último final de semana, junto
com outros escritores de Santa Maria, para sessão de autógrafos dos livros da
Editora Memorabilia na Feira do Livro local. A sessão de autógrafos foi fraca e
nem se comparou com a que fizemos em Santa Maria, neste ano de 2022. Mesmo
assim foi bom ir até essa cidade da fronteira e conviver com os escritores
locais – entre eles, o patrono da Feira, o historiador Dagoberto Clos. Uma conversa
ótima, numa das alamedas da Praça Barão do Rio Branco (onde aconteceu a Feira),
a respeito dos indígenas da Campanha e das ações jesuíticas na região durante os
séculos XVII e XVIII.
Dagoberto Clos tem pesquisado e escrito a respeito
da história local e um dos resultados é o livro A mão dos jesuítas: a
herança jesuítica no Município de Uruguaiana (2012, 88 p.). Denso trabalho enfocando
a atuação da Companhia de Jesus junto aos indígenas e o que restou dessa
experiência histórica.
Em 1626, os jesuítas fundaram a Redução de N. Sra.
dos Três Reis Magos de Japeju, na margem ocidental do Rio Uruguai (na atual Argentina), próximo à
foz do Rio Ibicuí, de frente para o atual estado do Rio Grande do Sul. Anos
mais tarde, em 1657, os padres criaram a Estância Santiago no lado oriental, em
terras que hoje pertencem ao município de Uruguaiana. Nessa oportunidade, dois padres e vários índios atravessaram mil cabeças de gado por meio de um baixio que
existe na região (hoje chamado de Passo do Aferidor) e introduziram a pecuária no sudoeste do Rio Grande do Sul.
Ignorante que sou da geografia local e das práticas campeiras,
fiquei espantado com a empreitada dos padres, isto é, cruzar uma “gadaria”
(termo da época) por um rio de grande largura como é o caso do Rio Uruguai. O
autor acentua o número reduzido de padres nesse empreendimento (eram dois ou
três por redução) e a enorme capacidade desses religiosos em coordenar os índios
em atividades até então distantes do seu horizonte cultural. Os guaranis
(principal grupo indígena catequisado pelos jesuítas) conheciam e praticavam a
agricultura, mas só tiveram contato com a pecuária por meio dos padres. E logo
se habilitaram a exercer com competência as lides de vaqueano.
A partir dessa Estância Santiago a pecuária se
consolidou no sudoeste rio-grandense e, junto com ela, foram erguidas várias
construções de pedra (de capelas, currais e poços de água). A pecuária
missioneira se expandiu em outras estâncias e postos de pastoreio e, no final
do século XVII, se formou a Estância Japeju, com 65 quilômetros quadrados e
mais de 80 mil cabeças de gado, a maior das estâncias da “Nação Jesuítica” (grande
parte dela nas terras do atual município de Uruguaiana).
Estância Japeju. Fonte: Wikipédia. |
Em 1768 os jesuítas foram expulsos da América
Espanhola (por determinação do rei) e a Estância Japeju passou para a
administração militar. Em 1801 ocorreu a conquista portuguesa da região (por
Borges do Canto e outros) e a área começou a ser dividida em sesmarias e entregue
a militares, padres e tropeiros luso-brasileiros.
O autor identificou as ruínas das construções
jesuíticas – sistemas construtivos sofisticados, com paredes de pedra, arcos e
abóbadas – e quais estâncias luso-brasileiras passaram a ocupar esses locais.
Uma herança que assombrou e em grande parte foi destruída (inclusive por
caçadores do lendário “tesouro dos jesuítas”) ao longo dos séculos XIX e XX, mas que
ainda pode ser reconstituída e até aproveitada do ponto de vista turístico.
Restou pouca coisa do legado material jesuítico,
conclui o autor. Seja como for, a Estância Japeju foi um
empreendimento exitoso e deitou raízes no território hoje ocupado pelo município de
Uruguaiana. No entendimento do autor, é a partir dessa estância que a história local deve ser contada e não da criação do Porto de Santana pelo Governo Farroupilha, em 1838. Uma provocação boa: quando
estabelecer o marco fundador de uma cidade da Campanha rio-grandense? Na ação
de jesuítas espanhóis e índios guaranis ou nas forças militares farroupilhas?
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